|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GLOBALIZAÇÃO
Protecionismo agrícola explica decisão; americano fala em "resistir" à Europa, e Lampreia se diz surpreso
França veta negociação com Mercosul
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília
A França vetou ontem em Colônia, Alemanha, recomendação dos
chefes de governo da União Européia para iniciar até dezembro de
2000 negociações com o Mercosul
para criar área de livre comércio
entre os dois blocos.
O veto francês ameaça esvaziar a
conferência de 48 chefes de Estado
e governo da Europa, América Latina e Caribe, dias 28 e 29, no Rio
de Janeiro.
A decisão do presidente Jacques
Chirac joga o Mercosul nos braços
dos EUA no intricado xadrez político do comércio internacional.
O embaixador Peter Scher, negociador especial de comércio dos
EUA, que estava ontem em Brasília, disse à Folha que a decisão da
França "não chega a ser surpresa"
e constitui "clara indicação de que
Mercosul e EUA precisam trabalhar juntos" a questão européia.
Para Scher, "é preciso resistir" à
intenção da Europa de realizar negociações de comércio sem incluir
os produtos da agricultura.
Surpresa
O ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, afirmou,
em entrevista à Folha, que o veto
francês é "uma surpresa estarrecedora". Embora a decisão ainda
possa ser revertida antes da cúpula
do Rio, Lampreia reconhece que,
"tendo havido esse impasse em nível de chefes de governo, agora a
coisa se complica".
Scher, inteirado da reação de
Lampreia, disse que a "aplaudia".
"Da perspectiva dos EUA, melhor
não fazer negociação nenhuma a
negociar sem incluir agricultura."
Lampreia havia chegado otimista ontem de viagem à Europa, em
que teve conversas "muito francas
e diretas" (que, na linguagem cifrada dos diplomatas, significa terem sido bastante duras) com seu
colega francês Hubert Vedrine.
Segundo o ministro brasileiro,
"insucesso tão expressivo não poderia deixar de ser visto como desinteresse da Europa por uma relação especial com o Mercosul".
O recado parecia ter sido entendido por Vedrine, e havia claras indicações de que, em Colônia, os
chefes de governo europeus adotariam resolução favorável às negociações com o Mercosul.
Declaração
O texto da declaração conjunta
que eles assinariam estava pronto;
o item 89 dizia que a Comissão da
União Européia devia receber
mandato nesse sentido e que as
conversações deveriam ser sobre
"a totalidade dos temas".
Essa é a posição do Brasil em relação ao assunto: "Nada está acordado enquanto tudo não estiver
acordado". Ou seja: os assuntos
devem ser negociados e resolvidos
em bloco, não por setores.
Chirac vetou o item 89 da resolução assinada ontem porque seu
país deseja começar a negociar o
comércio de produtos agrícolas
com o Mercosul a partir de 2003,
quando, se prevê, estará concluído
o novo acordo mundial de comércio, a Rodada do Milênio.
A França tem sido a líder do protecionismo europeu de sua agricultura, um setor em que os países
do Mercosul são bastante competitivos. A Irlanda e o Reino Unido
costumam acompanhar a França
nas posições mais duras em favor
de seus produtos agrícolas.
Do outro lado, fechando com a
posição do Mercosul, têm estado
Portugal e Espanha, talvez devido
aos laços culturais que os unem à
América do Sul. A Alemanha, atual
presidente da Comissão Européia,
tem tentado mediar as divergências entre seus colegas.
O item vetado pela França ontem
havia sido preparado pela Alemanha. Lampreia acredita que os alemães ainda vão tentar obter um
compromisso antes do Rio.
Ele argumenta que "não há dúvidas do desejo da União Européia
pelo Mercosul", demonstrado, inclusive, pela presença de empresas
e capitais dos países que a integram na América do Sul.
A última chance para reverter a
decisão será no dia 21, quando se
reúnem os ministros das relações
exteriores da União Européia.
Texto Anterior: Painel S/A Próximo Texto: EUA vêem chance de avançar mais na Alca Índice
|