São Paulo, quinta-feira, 05 de agosto de 2004

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ANÁLISE

Europeus já tinham se preparado para a derrota

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A vitória no caso do açúcar não se deu ontem, o dia em que a OMC emitiu seu parecer (ainda reservado), mas no dia 14 de julho, quando a União Européia, a parte questionada, lançou sua proposta para reformar o regime do açúcar.
Os europeus já sabiam que perderiam e resolveram sair na frente, apresentando uma proposta que consideram "uma radical revisão" do regime açucareiro, conforme expressão contida em comunicado à imprensa emitido ontem por Arancha González, a porta-voz para Comércio da UE.
Nesse mesmo comunicado, aliás, González registra as críticas à política européia para o açúcar e nem se dá ao trabalho de rebatê-las, no que soa como confissão de culpa.
A antecipação européia não reduz, de todo modo, a importância da decisão de ontem. A reforma do regime açucareiro é, por enquanto, apenas uma proposta da Comissão Européia, o braço executivo do conglomerado, que ainda deve ser discutida pelos ministros de Agricultura em reunião especial convocada para outubro.
"Agora, com a decisão, a reforma deve ser aprovada com mais facilidade e talvez seja mais profunda", torce Pedro de Camargo Neto, talvez o mais experiente negociador agrícola do setor privado e uma espécie de pai intelectual dos processos tanto do açúcar como do algodão (este contra os Estados Unidos).
Aliás, ele já tem mais dois produtos para sacar da cartucheira: lácteos (contra os europeus) e arroz (contra os EUA). Mas, em ambos os casos, o Brasil não é o mais indicado para liderar os processos, na medida em que os prejuízos maiores são, respectivamente, para Argentina (lácteos) e Uruguai e Tailândia (arroz).
Os ganhos para o Brasil, com a decisão da OMC, são de duas naturezas: o econômico, claro, cujo tamanho varia conforme quem faz as contas, e o político-diplomático.
O cálculo que soa mais razoável é de Amy Barry, da ONG britânica Oxfam, especializada em defender países pobres ou em desenvolvimento nas negociações comerciais: ela diz que, em 2002, os subsídios europeus ao açúcar custaram aos produtores brasileiros cerca de US$ 494 milhões.
É lógico supor que ganharão quantia parecida, quando forem retirados os subsídios. Aliás, Eduardo de Carvalho, presidente da Unica (União da Agroindústria Canavieira de São Paulo), já havia contabilizado ganhos de US$ 300 milhões, só num primeiro momento, quando a UE anunciou sua reforma do regime açucareiro.
O segundo ganho é apenas potencial: Antonio Donizeti Beraldo, da Confederação Nacional da Agricultura, torce para que a decisão sobre o açúcar faça com que os europeus sejam mais flexíveis na negociação com o Mercosul, que será retomada na próxima semana em Brasília.
Há um terceiro ganho, igualmente potencial e paralelo: o fato de a UE ter se antecipado e anunciado a reforma do regime do açúcar, deixa os EUA mais isolados e na defensiva, no caso do algodão. Enquanto os europeus já assimilaram a derrota (e até se anteciparam a ela), os norte-americanos rugiram e estão recorrendo da decisão desfavorável.
Como o que se julgou é, na essência, igual, ainda que os produtos sejam diferentes, os EUA acabaram sofrendo uma segunda derrota, embora indireta.


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