São Paulo, sexta-feira, 05 de setembro de 2008

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Questões sobre a inflação


Se elevar demais os juros, o BC poderá desacelerar a economia além do necessário para estabilizar a inflação

A QUEDA dos preços agrícolas tem provocado uma revisão para baixo dos índices de inflação no Brasil. Como os movimentos têm sido de grandes proporções -a soja, por exemplo, caiu mais de 22% nas últimas semanas-, a redução no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) é significativa.
Em junho, o aumento dos preços ao consumidor foi de 0,74%; em junho, de 0,53%; e a previsão para agosto está em torno de 0,30%. Em termos anualizados, as variações são de 9,3%, 6,5% e 3,7%, respectivamente.
Uma bela acomodação, portanto.
Esse comportamento vai levantar mais uma vez a discussão sobre o comportamento do Banco Central.
Muitos vão declarar vitória sobre a inflação e pedir que o Banco Central interrompa o movimento de aumento da taxa Selic. Outros vão desqualificar a queda dos índices por conta do comportamento dos alimentos e chamar a atenção para o dinamismo da indústria, revelado pelos últimos indicadores do setor.
O indicador preferido desse grupo é o chamado Nuci, que mede a ocupação da capacidade produtiva da indústria brasileira. Invocarão ainda o mercado de trabalho, o novo demônio dos analistas mais conservadores que acompanham a conjuntura econômica atual. Os aumentos salariais mais salgados podem provocar um encadeamento entre salários em alta e demanda superaquecida. Sabemos que, se isso acontecer, a tarefa do Banco Central ficará ainda mais complexa. Por essas razões -Nuci e salários- pedem a continuidade do aperto dos juros.
A questão do Nuci não me preocupa. A conjugação de importações em crescimento com o ciclo de novos investimentos em maturação coloca uma limitação nos efeitos deletérios sobre a inflação a partir do nível de atividade da indústria. Por outro lado, o aperto nas condições de crédito -em razão de juros mais elevados e de prazos de financiamento menores- trará efeitos importantes sobre a demanda nos próximos meses.
A liquidez do mercado financeiro está muito pressionada com as taxas de captação do sistema bancário acima do CDI e deve colaborar nesse sentido. Nesse ambiente de liquidez apertada, os bancos médios e pequenos não vão aumentar suas operações de crédito. Mas é preciso paciência...
Na questão das pressões sobre o mercado de trabalho, é preciso ir devagar com o andor. O Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) divulgou ontem um relatório sobre o andamento das negociações salariais ao longo do primeiro semestre. O número de acordos com aumentos salariais acima da inflação passada é recorde quando comparado com semestres anteriores.
Mas outras fontes mostram que os ganhos reais são inferiores a 2%, número menor do que os ganhos de produtividade do setor produtivo. E é exatamente o Nuci elevado um dos responsáveis pelos ganhos de eficiência das empresas. O efeito mais importante do dinamismo do mercado de trabalho sobre a inflação se dá pelo canal da massa salarial e não sobre os custos das empresas.
Minha intuição de velho analista das coisas da economia é a de que o Banco Central corre hoje o risco de passar do ponto no ajuste dos juros e impor à economia uma desaceleração maior do que a necessária para estabilizar a inflação. Principalmente se seguir os conselhos de nossos carcarás -versão cabocla da águia americana-, que estão nervosos por causa do Nuci e dos aumentos de salários acima da inflação.
Quanto aos que dizem que já vencemos a inflação, não vejo motivo para perder o tempo do leitor...


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

lcmb2@terra.com.br


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