São Paulo, sexta-feira, 05 de setembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Me dá um dinheiro aí


Em dia de sanidade, mercado percebe que economia global anda lerda, mas pede socorro e tutu ao governo americano

QUAL O MOTIVO da grande liquidação de outono nas Bolsas dos Estados Unidos (ontem, a brasileira caiu por tabela)? "A economia vai mal", dizem os povos dos mercados. Hum. Mas não faz exatamente uma semana que o crescimento do PIB americano no segundo trimestre tinha sido revisado de 1,9% para 3,3%, com festinha nas Bolsas e tudo o mais? "Mas os dados do seguro-desemprego foram ruins ontem, de novo", diz a turma. Hello: os salários dos trabalhadores caíram 3% no último ano, o número de pessoas empregadas é menor do que em 2007 e o lucro das empresas (afora bancos e cia.) caiu 12% nos quatro trimestres encerrados em junho.
A opinião mais confiável do mercado aparece no que se vende e no que se compra. O que se tem visto nos últimos dias é, de fato, mais ou menos compatível com prognósticos de lerdeza econômica. Mas só o Imponderável de Almeida sabe o motivo do tombo de ontem. Além de ações de bancos (bidu), o pessoal passou a vender papéis de empresas americanas que faturam bastante no exterior (exportações e filiais) -o dólar mais forte prejudicaria o lucro de exportadoras e múltis americanas. A turma também liquida apostas no mercado futuro de commodities, euros, "commodity currencies" (moedas de países exportadores de matérias-primas) e ações de "emergentes". Tudo aquilo que, imaginavam, os protegeria dos efeitos da lerdeza americana e da inflação. Mas aconteceram mais coisas divertidas ontem. As Bolsas européias começaram a cheirar a queimado mais cedo. O BC Europeu vai mudar as regras de empréstimos de dinheiro camarada aos bancos avariados.
Os bancos estavam inventando garantias fajutadas, papéis podres lastreados em ativos ainda piores, a fim de tomar dinheiro no BCE, que estrilou e vai cortar o valor de tais garantias. Assim, os bancos terão de ir ao mercado levantar fundos a taxas mais altas. Isto é, terão menos capital disponível ou oferecerão dinheiro a custo maior, o que contrai o crédito e tende a reduzir a atividade econômica. Uma hipótese ainda especulativa é que tal cenário levaria a uma queda de juros na eurozona, derrubando mais o euro.
Mais divertido ainda é que Bill Gross, da Pimco, pediu ontem que o governo dos Estados Unidos COMPRE PAPÉIS PODRES do mercado, entre outras intervenções estatais.
Se o que se chama de "mercado" tivesse rostos, um deles seria o de Gross, da Pimco, maior gestora de renda fixa do planeta. Gross escreveu que o Tesouro dos EUA tem de "abrir o cofre". Caso contrário, diz, virá um "tsunami financeiro". Se virá ou não, sabe-se lá, mas a opinião de Gross deve ter ajudado a detonar as ações de bancos em Wall Street.
Gross não é o primeiro a dizer "socorro". Em março, grandes economistas já haviam sugerido coisa parecida, como Martin Feldstein, de Harvard, próximo dos republicanos, e Alan Blinder, de Princeton, ora na campanha de Barack Obama. O próprio Ben Bernanke, presidente do Fed, pediu na mesma época que as instituições financeiras perdoassem dívidas da casa própria e algum intervencionismo estatal indireto.
Mas, apesar do sururu intenso e indícios de recessão, ninguém sabe ainda o tamanho do monstro. Que pode ser ainda até um monstrinho.

vinit@uol.com.br


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