São Paulo, sábado, 05 de outubro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Regular para exportar

GESNER OLIVEIRA

É sabido que o Estado brasileiro ainda precisa se equipar em regulação e comércio exterior. Porém é menos óbvia a relação entre as duas áreas; e, em particular, que a segunda depende fortemente do desenvolvimento da primeira.
Não se tenha ilusão em relação aos bons resultados recentes na balança comercial. Nesta semana, por exemplo, foi divulgado superávit de US$ 2,5 bilhões em setembro, quase igual ao do ano passado inteiro. Contudo a melhora do saldo ainda não passou pelo teste do crescimento, ou seja, não se sabe qual a magnitude do superávit que sobreviverá a uma expansão da economia em um ritmo de expansão do PIB entre 4% e 5%, contra os atuais 1% a 2% ao ano.
O volume de exportações está aquém do potencial brasileiro. O Brasil deverá exportar neste ano US$ 57 bilhões em mercadorias, menos de 12% do PIB (Produto Interno Bruto). Tal desempenho contrasta com o do México, que deverá exportar cerca de US$ 165 bilhões, em torno de 27% de seu PIB.
A exemplo do México, o Brasil terá de promover um salto dessa natureza. Mas como a regulação pode ajudar?
Em primeiro lugar, a maior parte do comércio mundial ocorre no âmbito de blocos comerciais e acordos bilaterais, o que exige esforço permanente de negociação e convergência das regras nacionais para as das áreas de comércio. Daí a importância, por exemplo, de padrões uniformes de legislação de defesa do consumidor em blocos comerciais como o Mercosul. Regras frouxas em um ou mais parceiros acarretam distorções consideráveis.
A negociação de bons acordos comerciais e o exercício da diplomacia internacional são elementos cruciais do sucesso exportador. No caso do México, por exemplo, o avanço dos anos recentes está associado à área de livre comércio representada pelo Nafta (da sigla em inglês North American Free Trade Agreement).
Em segundo lugar, o Estado deve participar do esforço de superação das barreiras técnicas ao comércio, hoje presentes na esmagadora maioria dos países do mundo com um grau cada vez maior de sofisticação.
Tais barreiras, que incluem restrições sanitárias, fitossanitárias, padrões técnicos, certificação de produtos e processos, entre outros, servem tanto para defender quanto para atacar. Sem barreiras técnicas adequadas, um país pode ser inundado por produtos de má qualidade que podem colocar em risco os consumidores.
Na ausência de instrumentos de avaliação apropriados, por sua vez, o país pode se ver excluído de mercados importantes que utilizam as barreiras técnicas como mero pretexto para proteger artificialmente o mercado.
Os exemplos de restrições são abundantes. A fruticultura e o setor de carnes enfrentam restrições fitossanitárias relacionadas à importação de produtos contaminados por pragas e doenças. É igualmente ilustrativa a exigência de certificação pelas normas das séries ISO 9.000 e 14.000, enfrentada por vários setores.
É fundamental que os exportadores brasileiros sejam capazes de transpor essas barreiras, produzindo dentro das especificações dos mercados mais exigentes. Isso mostra a importância de instituições de metrologia e de normas técnicas, como o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia) e a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), bem como órgãos de pesquisa, como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e institutos agrícolas.
Em terceiro lugar, o esforço de inovação depende da proteção à propriedade intelectual. As pesquisas só ocorrem se houver proteção dos direitos que delas decorrem, o que só pode ser garantido pelo patenteamento da inovação e pelo respeito a essas patentes. Sem essa proteção, a falta de garantias quanto aos direitos de propriedade constitui a maior fonte de desincentivo à inovação tecnológica e à criação de novos produtos e processos, que são fundamentais para a competição global. Raciocínio análogo se aplica à proteção de marcas.
Em quarto lugar, o Estado tem um papel relevante na dinamização de potencialidades regionais. É mais comum do que se imagina no Brasil a existência de potenciais subaproveitados em cidades e regiões distantes dos grandes centros que não se desenvolvem devido à pequena escala inicial ou à falta de acesso à tecnologia. Se adequadamente estimulados, podem resultar em ganhos sustentados na exportação, tendo como benefício adicional a capilarização da cultura exportadora e a interiorização do desenvolvimento.
Se o Brasil conseguir promover um salto nas exportações nos próximos anos, as barreiras serão ainda maiores. No mundo atual de competição feroz, ninguém prospera impunemente. Os princípios liberais ficam reservados para a sala de aula. A boa regulação doméstica nas áreas mencionadas constitui uma parte do arsenal indispensável para a verdadeira guerra do comércio mundial.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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