São Paulo, sábado, 05 de outubro de 2002

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ANÁLISE

"Front" econômico está mais vulnerável do que parece

PAUL KRUGMAN

A inda que as demais notícias tenham passado despercebidas em meio aos ladridos dos cães de guerra, há algo de ominoso acontecendo no front da economia. Não é um desdobramento dramático, mas mês a mês os números surgem um pouco piores do que o esperado. Deixemos a política completamente de lado desta vez e revisemos a nossa situação atual e o que deveria ser feito.
O ponto chave é que a presente recessão não se assemelha às do passado imediato -é mais parecida com as recessões de nossos avós do que com as de nossos pais. Ou seja, não se trata da recessão à qual nos acostumamos no período posterior à Segunda Guerra Mundial, engendrado pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) para combater a inflação e facilmente revertida quando o Fed afrouxa as rédeas.
Trata-se de uma crise clássica de excesso de investimento, de uma espécie que era normal antes da Segunda Guerra. Essas crises sempre foram difíceis de enfrentar pelo simples expediente de um corte nas taxas de juros.

Intervenção insuficiente
Agora, não há como questionar que os rápidos cortes de juros decretados pelo Fed ao longo do ano passado ajudaram a evitar uma crise muito mais severa. Mas um estudo severo da política monetária sugere que o Fed não fez o suficiente e é possível que não seja capaz de fazer o bastante.
Ainda que a taxa de fundos federais do Fed, a medida mais usual da política monetária, esteja em seu ponto mais baixo em gerações, a verdadeira taxa dos fundos do banco central -a taxa de juros menos a taxa de inflação, que é o que importa para as decisões de investimento- continua mais ou menos igual ao que era no ponto mais baixo da última recessão, no começo dos anos 90, porque hoje a inflação é consideravelmente mais baixa.
E a queda na taxa de fundos federais engendrada por Alan Greenspan [presidente do Fed" e companhia, ainda que mais rápida do que na última recessão, foi consideravelmente menor, equivalendo a 4,75% contra o corte de 6,75% no começo dos anos 90. Mesmo que a taxa de fundos federais caia a zero, a redução de taxa de juros que teríamos seria menor do que a da recessão passada.
Se você acredita que os excessos dos anos 90 foram maiores do que os dos anos 80, que a economia precisa de mais estímulo para se recuperar, então é provável que o Fed não tenha feito o suficiente, e bastante possível que até mesmo reduzir os juros a zero não será o suficiente.
E essa situação pode durar algum tempo. O acúmulo de capacidade excedente, especialmente no setor de telecomunicações, demorará um pouco a ser liquidado. É bastante possível que a nossa economia se mantenha lenta até 2004, e talvez além disso. O Fed deveria cortar ainda mais as taxas de juros isso talvez não seja o bastante, mas ajudará. O que mais deveríamos fazer?

Soluções
A resposta é que deveríamos ter um plano sensível de estímulo fiscal que encoraja gastar agora, para cobrir o período até que o investimento empresarial se recupere. Alguns dos elementos desse plano são óbvios. Primeiro, prorrogar o pagamento do auxílio-desemprego, que é consideravelmente menos generoso hoje do que na recessão passada. Isso cumpriria um papel duplo, ajudando algumas das pessoas mais necessitadas e dando dinheiro às pessoas que têm maior probabilidade de gastá-los.
Segundo, deve-se fornecer assistência aos Estados, que atravessam crise fiscal cada vez mais desesperada. Essa medida também servirá a uma dupla função, impedindo cortes severos nos serviços públicos, especialmente nos serviços médicos para os mais pobres, um alvo muito provável, ao mesmo tempo que estimula a demanda.
Se esses elementos não propiciarem uma soma grande o bastante, por que não adotar mais uma restituição tributária, dessa vez beneficiando todas as pessoas que pagam impostos sobre seus salários?
E como faremos para pagar por tudo isso?
Vocês sabem a resposta. É preciso cancelar os cortes de impostos determinados para os próximos anos. A economia precisa de estímulo agora. Não precisa de cortes de impostos para os muito ricos dentro de cinco anos.
Não se trata de uma proposta altamente complexa. Na verdade, é Economia em sua forma mais básica, aplicada à nossa situação atual.
Sei bem, no entanto, que é uma solução que está politicamente fora de questão. Mas creio que tenhamos o direito de perguntar o motivo.


Paul Krugman, economista e professor na Universidade Princeton (EUA), é colunista do jornal "The New York Times".

Tradução de Paulo Migliacci


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