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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Dormindo com o inimigo
Mesmo com corrupção, escândalos, Lula seria imbatível, se a economia
estivesse crescendo 5% ou 6%
OS LEITORES ajudam bastante.
Um deles me escreveu na segunda-feira para lembrar artigo que publiquei aqui há um ano
("BC: Cavalo de Tróia?", Folha, 13
de outubro de 2005). Já havia até
me esquecido. Na ocasião, escrevi
que a política monetária e a orientação do Banco Central dificultariam a reeleição de Lula. O leitor
pediu que voltasse ao assunto, e resolvi atendê-lo.
Bem. Conta Heinrich Heine,
grande poeta alemão do século 19,
que na Rússia os profetas que divulgavam profecias sinistras eram
encarcerados pelo governo até que
o seu vaticínio se cumprisse. Ainda
bem que não se adota essa prática
por aqui. No artigo de outubro de
2005, cheguei a formular a seguinte pergunta: "Será que a direção do
BC está desempenhando o papel
de Cavalo de Tróia e trabalhando
contra a reeleição do presidente da
República?". A rigidez da política
monetária era -e ainda é- realmente impressionante e deixava
muitos com a pulga atrás da orelha.
Transcrevo a resposta que dei na
ocasião: "Não iria tão longe. Mas o
comando do BC está nas mãos de
um grupo que tem pouca ou nenhuma identificação com o governo. São pessoas que pela sua formação e origem se identificam
muito mais com o governo passado. E elas controlam variáveis de
grande impacto sobre o ambiente
econômico em que transcorrerão a
campanha e as eleições de 2006.
Se, no entender do BC, a busca de
metas superambiciosas de inflação
continuar exigindo juros estratosféricos, com sacrifício do crescimento e da geração de empregos, o
presidente terá mais dificuldades
na já difícil batalha da reeleição".
Outros fatores pesaram, é óbvio.
Mas, mesmo com corrupção, escândalos, dossiês e tudo mais, Lula
seria imbatível, se a economia estivesse crescendo de forma mais vigorosa, digamos, 5% ou 6% -ritmo
que pode parecer ambicioso à luz
dos resultados recentes do Brasil,
mas que é apenas razoável quando
comparado ao desempenho da
maioria dos emergentes. O FMI
projeta em 7,3% a expansão do PIB
para o conjunto dos países em desenvolvimento em 2006.
Acumulam-se evidências de que
a política monetária tem sido exageradamente restritiva:
1) A taxa básica de juros, em termos reais, ainda está em torno de
10% no Brasil. Nos principais países desenvolvidos e emergentes, a
média é de cerca de 1,5%.
2) Essa extravagância em matéria de juros contribuiu poderosamente para a supervalorização do
real, que está corroendo a competitividade das exportações e estimulando a importação de bens e serviços. Os dados de 2006 já mostram
claramente a contribuição do câmbio valorizado para o baixo crescimento da indústria, da agropecuária e do PIB como um todo.
3) Este será mais um ano de crescimento medíocre. O Brasil deve
crescer apenas 3% a 3,5% , menos
do que o resto do mundo e bem
menos do que a maioria dos principais países emergentes. Há 11 anos
consecutivos, a economia brasileira cresce menos do que a média
mundial.
4) A inflação será provavelmente
bem inferior ao centro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, que é de 4,5%, com
dois pontos percentuais a mais ou
a menos de tolerância. O BC admite até a possibilidade, estimada em
20%, de que a inflação de 2006 acabe ficando abaixo dos 2,5% estabelecidos como piso da meta. Parece
claro que o Copom (Comitê de Política Monetária do BC) vinha superestimando os riscos inflacionários e o crescimento da economia.
Mas nada abala a tranqüilidade
do BC. Segundo seu último relatório trimestral sobre inflação, "a
postura de política monetária adotada ao longo dos últimos trimestres vem contribuindo de maneira
importante para a consolidação de
um ambiente macroeconômico cada vez mais favorável em horizontes mais longos, com a configuração de um cenário benigno para a
evolução da inflação".
Durma, presidente, com um barulho desses.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional:
Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/
Elsevier, 2005).
pnbjr@attglobal.net
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