São Paulo, quinta-feira, 05 de outubro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Dormindo com o inimigo

Mesmo com corrupção, escândalos, Lula seria imbatível, se a economia estivesse crescendo 5% ou 6%

OS LEITORES ajudam bastante. Um deles me escreveu na segunda-feira para lembrar artigo que publiquei aqui há um ano ("BC: Cavalo de Tróia?", Folha, 13 de outubro de 2005). Já havia até me esquecido. Na ocasião, escrevi que a política monetária e a orientação do Banco Central dificultariam a reeleição de Lula. O leitor pediu que voltasse ao assunto, e resolvi atendê-lo.
Bem. Conta Heinrich Heine, grande poeta alemão do século 19, que na Rússia os profetas que divulgavam profecias sinistras eram encarcerados pelo governo até que o seu vaticínio se cumprisse. Ainda bem que não se adota essa prática por aqui. No artigo de outubro de 2005, cheguei a formular a seguinte pergunta: "Será que a direção do BC está desempenhando o papel de Cavalo de Tróia e trabalhando contra a reeleição do presidente da República?". A rigidez da política monetária era -e ainda é- realmente impressionante e deixava muitos com a pulga atrás da orelha.
Transcrevo a resposta que dei na ocasião: "Não iria tão longe. Mas o comando do BC está nas mãos de um grupo que tem pouca ou nenhuma identificação com o governo. São pessoas que pela sua formação e origem se identificam muito mais com o governo passado. E elas controlam variáveis de grande impacto sobre o ambiente econômico em que transcorrerão a campanha e as eleições de 2006.
Se, no entender do BC, a busca de metas superambiciosas de inflação continuar exigindo juros estratosféricos, com sacrifício do crescimento e da geração de empregos, o presidente terá mais dificuldades na já difícil batalha da reeleição". Outros fatores pesaram, é óbvio.
Mas, mesmo com corrupção, escândalos, dossiês e tudo mais, Lula seria imbatível, se a economia estivesse crescendo de forma mais vigorosa, digamos, 5% ou 6% -ritmo que pode parecer ambicioso à luz dos resultados recentes do Brasil, mas que é apenas razoável quando comparado ao desempenho da maioria dos emergentes. O FMI projeta em 7,3% a expansão do PIB para o conjunto dos países em desenvolvimento em 2006.
Acumulam-se evidências de que a política monetária tem sido exageradamente restritiva:
1) A taxa básica de juros, em termos reais, ainda está em torno de 10% no Brasil. Nos principais países desenvolvidos e emergentes, a média é de cerca de 1,5%.
2) Essa extravagância em matéria de juros contribuiu poderosamente para a supervalorização do real, que está corroendo a competitividade das exportações e estimulando a importação de bens e serviços. Os dados de 2006 já mostram claramente a contribuição do câmbio valorizado para o baixo crescimento da indústria, da agropecuária e do PIB como um todo.
3) Este será mais um ano de crescimento medíocre. O Brasil deve crescer apenas 3% a 3,5% , menos do que o resto do mundo e bem menos do que a maioria dos principais países emergentes. Há 11 anos consecutivos, a economia brasileira cresce menos do que a média mundial.
4) A inflação será provavelmente bem inferior ao centro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, que é de 4,5%, com dois pontos percentuais a mais ou a menos de tolerância. O BC admite até a possibilidade, estimada em 20%, de que a inflação de 2006 acabe ficando abaixo dos 2,5% estabelecidos como piso da meta. Parece claro que o Copom (Comitê de Política Monetária do BC) vinha superestimando os riscos inflacionários e o crescimento da economia.
Mas nada abala a tranqüilidade do BC. Segundo seu último relatório trimestral sobre inflação, "a postura de política monetária adotada ao longo dos últimos trimestres vem contribuindo de maneira importante para a consolidação de um ambiente macroeconômico cada vez mais favorável em horizontes mais longos, com a configuração de um cenário benigno para a evolução da inflação".
Durma, presidente, com um barulho desses.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/ Elsevier, 2005).
pnbjr@attglobal.net


Texto Anterior: Nova Lei Geral deve reduzir a burocracia
Próximo Texto: São Paulo deve ter a menor inflação em 8 anos, diz Fipe
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.