São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2004

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LUÍS NASSIF

O Brasil dos dólares

Ao longo desses anos de esbórnia financeira, o país foi dividido em dois. Aquele com acesso a reais murchou, abatido por falta de crédito, excesso de juros e carga tributária escorchante. Ao país com acesso a dólares, tudo foi permitido.
Vamos a algumas dessas práticas que proliferaram nesses anos de licenciosidade, que foram alvo de relatórios na fase de transição para o governo Lula e que, pelo visto, continuam em vigor. Os dados são de fins de 2002, porque constavam no documento entregue, à época, à nova equipe de governo.
1) Passeio no Japão - Os bancos simulavam captações em ienes, com juros ínfimos, pois a libor do iene estava em menos de 0,1% ao ano. O Imposto de Renda, de 15%, incidia sobre essa merreca. A "captação" em ienes era "swapada" (trocada) para dólares. O custo do "swap" era isento de Imposto de Renda, a menos que fosse com instituição de paraíso fiscal.
Na verdade, a captação era em dólares, os juros remetidos eram sobre a libor de dólares (à época, de 1,6% ao ano, quase 20 vezes maior que a libor do iene), porém sob a forma de despesas de "swap".
Para acabar com o passeio no Japão, bastaria tributar toda e qualquer remessa de despesa de hedge financeiro, independentemente de ser para paraíso fiscal ou não. Nada foi feito.
2) Assunção de dívidas de importação - Muitos importadores brasileiros podem pagar suas importações à vista, ou no prazo faturado (digamos 30, 60, 90 dias). Os bancos brasileiros oferecem financiamento de um ano ou mais, com linhas de crédito de suas agências no exterior ou de suas matrizes. Simultaneamente assumem a dívida, concedendo ao importador um deságio pela "antecipação" do pagamento. Ou seja, é uma captação para o banco, que vai utilizar esse dinheiro em operações ativas, geralmente de compra de títulos cambiais do Tesouro.
Se fosse uma captação convencional, na forma de empréstimo tomado no exterior, teria IR de 17,6% (15% sobre a base reajustada), sobre os juros remetidos. Simulando um financiamento à importação, o IR é de 15% sem reajuste da base de cálculo. Parece pouca diferença, mas havia mais de R$ 20 bilhões nos passivos dos bancos em captações baseadas nessa simulação.
A solução, simples, seria acabar com esse subsídio fiscal no IR sobre os juros de financiamento à importação. Nada foi feito.
3) Pré-pagamento de exportação usado para capital de giro - Cerca de 20% das exportações brasileiras eram financiadas pelo mecanismo do pré-pagamento. Nos demais países, o pré-pagamento de exportações é residual, próximo de zero.
As razões desse recorde mundial são fáceis de entender. Os grandes tomadores de pré-pagamentos no Brasil não são exportadores. Tomam esses empréstimos para capital de giro. Para quitar, compram a performance de exportação de terceiros, geralmente de empresas do ramo de soja.
O tomador de capital de giro teria que pagar 17,6% (15% sobre a base reajustada) de IR se tomasse um empréstimo no exterior. Simulando um pré-pagamento de exportação, o IR é zero.

E-mail -
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