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LUÍS NASSIF
O Brasil dos dólares
Ao longo desses anos de
esbórnia financeira, o
país foi dividido em dois.
Aquele com acesso a reais
murchou, abatido por falta de
crédito, excesso de juros e carga tributária escorchante. Ao
país com acesso a dólares, tudo foi permitido.
Vamos a algumas dessas
práticas que proliferaram nesses anos de licenciosidade, que
foram alvo de relatórios na fase de transição para o governo
Lula e que, pelo visto, continuam em vigor. Os dados são
de fins de 2002, porque constavam no documento entregue,
à época, à nova equipe de governo.
1) Passeio no Japão - Os
bancos simulavam captações
em ienes, com juros ínfimos,
pois a libor do iene estava em
menos de 0,1% ao ano. O Imposto de Renda, de 15%, incidia sobre essa merreca. A
"captação" em ienes era "swapada" (trocada) para dólares.
O custo do "swap" era isento
de Imposto de Renda, a menos
que fosse com instituição de
paraíso fiscal.
Na verdade, a captação era
em dólares, os juros remetidos
eram sobre a libor de dólares
(à época, de 1,6% ao ano, quase 20 vezes maior que a libor
do iene), porém sob a forma de
despesas de "swap".
Para acabar com o passeio
no Japão, bastaria tributar toda e qualquer remessa de despesa de hedge financeiro, independentemente de ser para
paraíso fiscal ou não. Nada foi
feito.
2) Assunção de dívidas de
importação - Muitos importadores brasileiros podem pagar suas importações à vista,
ou no prazo faturado (digamos 30, 60, 90 dias). Os bancos
brasileiros oferecem financiamento de um ano ou mais,
com linhas de crédito de suas
agências no exterior ou de
suas matrizes. Simultaneamente assumem a dívida, concedendo ao importador um
deságio pela "antecipação" do
pagamento. Ou seja, é uma
captação para o banco, que
vai utilizar esse dinheiro em
operações ativas, geralmente
de compra de títulos cambiais
do Tesouro.
Se fosse uma captação convencional, na forma de empréstimo tomado no exterior,
teria IR de 17,6% (15% sobre a
base reajustada), sobre os juros remetidos. Simulando um
financiamento à importação,
o IR é de 15% sem reajuste da
base de cálculo. Parece pouca
diferença, mas havia mais de
R$ 20 bilhões nos passivos dos
bancos em captações baseadas
nessa simulação.
A solução, simples, seria
acabar com esse subsídio fiscal
no IR sobre os juros de financiamento à importação. Nada
foi feito.
3) Pré-pagamento de exportação usado para capital de
giro - Cerca de 20% das exportações brasileiras eram financiadas pelo mecanismo do
pré-pagamento. Nos demais
países, o pré-pagamento de
exportações é residual, próximo de zero.
As razões desse recorde
mundial são fáceis de entender. Os grandes tomadores de
pré-pagamentos no Brasil não
são exportadores. Tomam esses empréstimos para capital
de giro. Para quitar, compram
a performance de exportação
de terceiros, geralmente de
empresas do ramo de soja.
O tomador de capital de giro
teria que pagar 17,6% (15%
sobre a base reajustada) de IR
se tomasse um empréstimo no
exterior. Simulando um pré-pagamento de exportação, o
IR é zero.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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