São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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ARTIGO

Globalização reduz salário de trabalhador do Ocidente

Lideranças devem instar os cidadãos ocidentais a adquirir mais capacitação em alta tecnologia, para que permaneçam um passo à frente de seus competidores asiáticos

Claro Cortes - 19.out.2006/Reuters
Trabalhador asiático deixa bueiro que fica localizado em estrada recentemente construída na capital chinesa, Pequim

SAMUEL BRITTAN
DO "FINANCIAL TIMES"

Há um debate em curso há muito tempo para determinar se os trabalhadores norte-americanos de renda média sofreram queda de padrão de vida ou obtiveram ganhos apenas modestos. Na melhor das hipóteses, essa categoria se beneficiou de maneira apenas modesta da ascensão da renda nacional dos EUA, não apenas sob o presidente George W. Bush mas nos últimos 40 anos.
Em fevereiro, eu resumi em minha coluna um estudo de um importante economista americano, Robert J. Gordon, cuja conclusão é de que as pressões sofridas pelo cidadão comum derivam de um enorme aumento na participação dos 10% mais ricos da população no total da riqueza nacional. Eu não gostaria de entrar em disputa com o professor Gordon quanto aos seus números, mas até mesmo o melhor dos estudos econométricos só pode ser retrospectivo. Certamente há espaço para uma discussão um pouco mais especulativa do que pode acontecer no futuro.
A melhor maneira de considerar a globalização é presumir que uma grande porção do mundo passa a se comportar como se fosse uma economia unificada. Existem certas barreiras legais, institucionais e psicológicas ao movimento, mesmo no interior de uma grande economia como a americana. Mas por trás dessas diferenças existe uma tendência à equalização da remuneração por qualquer forma de trabalho, bem como uma tendência à equalização do retorno sobre o capital, hipótese proposta por Adam Smith há 230 anos.
Há uma excelente análise quanto a essas perspectivas, preparada pelo conhecido economista Richard Freeman, especialista em trabalho da Universidade Harvard. Para ele , a entrada de China, Índia e antigos componentes do bloco soviético na economia mundial resultou, por volta de 2000, na duplicação do número de trabalhadores integrados à economia globalizada, para um total próximo dos 3 bilhões. Como resultado, a relação entre capital e mão-de-obra caiu para cerca de 60% daquilo que teria sido em outras circunstâncias.
Além disso, os recém-chegados vêm conquistando ascensão muito rápida em termos de capacitação tecnológica, mas os salários que prevalecem em suas economias são muito inferiores aos das economias ocidentais. Os efeitos podem ser avaliados nos cortes de salários que alguns trabalhadores alemães aceitaram a fim de desencorajar seus empregadores de transferir fábricas para o leste da Ásia ou para os países ex-comunistas da Europa.
Mas nem tudo é depressão e desânimo para os trabalhadores ocidentais. Um dia, o superávit de mão-de-obra dos emergentes se esgotará e a competição por funcionários elevará salários. A questão que os países ricos precisam enfrentar é determinar quando.
Existe uma comparação possível com o Reino Unido na era da Revolução Industrial. Continua a haver controvérsia sobre o comportamento dos salários britânicos na primeira metade do século 19, para estabelecer se subiram ou desceram. De qualquer maneira, os principais ganhos para a mão-de-obra surgiram na segunda metade daquele século, quando, a despeito de crises ocasionais, a mão-de-obra se tornou mais escassa em relação ao capital.
O professor Freeman estima que os salários chineses dobraram, nos anos 90, e que, se esse ritmo se mantiver, atingirão níveis semelhantes aos do Ocidente dentro de 30 anos. Para os países emergentes como um todo, o processo pode levar entre 40 e 50 anos. Enquanto isso, haverá pressões de queda de salário sobre muitos dos assalariados do Ocidente.
À medida que a globalização amplia a riqueza, deve certamente existir alguma maneira de transferir parte desses ganhos aos trabalhadores ocidentais, que de outra maneira sairiam prejudicados. Uma dificuldade é descobrir como fazê-la sem matar a galinha dos ovos de ouro, sem desencorajar o investimento ou a inovação naqueles países ocidentais que estão tentando a transferência.
A definição acima é um resumo dos mais brutos e contém muitos problemas ainda não resolvidos. A resposta das lideranças políticas e empresariais do mundo é instar os cidadãos ocidentais a adquirir mais e mais capacitação em alta tecnologia, de modo que se mantenham sempre um passo à frente de seus competidores asiáticos. Dessa maneira, sempre estaremos trabalhando e aprendendo e nos restará pouco tempo para que desfrutemos do produto de nossos esforços.
Uma resposta mais realista, oferecida por alguns economistas, envolve tributar o que eles definem como fatores imóveis de produção, que não podem ser transferidos facilmente a outros locais. Mas não é simples identificá-los. O número de ocupações seguras contra competição internacional vem diminuindo rapidamente, como vemos com o influxo de médicos que oferecem seus serviços no Ocidente ou se envolvem em terceirização de trabalho em seus países de origem.
Existe apenas um fator de produção genuinamente imóvel e que poderia ser tributado sem desencorajar o espírito de iniciativa empresarial. Estamos falando dos terrenos, e com isso não quero dizer apenas estruturas empresariais ou residenciais, que normalmente são tratadas como uma unidade integrada de capital e terra.
O que tenho em mente é espaço puro, que vem obtendo retornos cada vez maiores porque existe em tão pouco volume nos locais mais procurados. Um imposto sobre os terrenos é uma das ferramentas favoritas, há muito tempo, entre os economistas de mercado de tendência não muito esquerdista, mas a idéia jamais foi entendida completamente pelos empresários, políticos ou advogados. O que é necessário agora é transferir a discussão, do financiamento a autoridades locais para o uso gradual de tributos sobre os terrenos, com o objetivo de permitir que os trabalhadores protejam seus padrões de vida e, se possível, transferir a eles alguns dos ganhos auferidos com a unificação da economia mundial.


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