São Paulo, quarta-feira, 05 de dezembro de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Era uma vez um mercado...

Secretário do Tesouro dos EUA organiza um "plano de salvação" do mercado imobiliário que rifa contratos

AS CRISES financeiras suscitam um pouco de "Schadenfreude", a alegria com a desgraça alheia. É o escárnio provocado pelo espetáculo de fantasias rasgadas por quem, nos tempos bons, defende o odor de santidade de mercados e de contratos e, nos tempos bicudos, joga no lixo o fundamentalismo liberalóide a fim de salvar seus fundos.
Sim, trata-se da relativa desgraça de bancos e cia. envolvidos na crise financeira euro-americana. Só não dá para rir mais porque o lixo transborda e envolve quem não tem nada a ver com o pato -os patos.
São dias divertidos. Chineses e árabes compram e comem pelas bordas grandes instituições financeiras dos EUA. Um publicista liberal como Martin Wolf, do "Financial Times", diz que bancos são, em tese, subsidiados e que, se não se comportam, devem ser estritamente regulados e controlados pelo Estado.
Agora, o secretário do Tesouro dos EUA, o ultraliberal Henry Paulson, articula com bancos um plano que, em última análise, rifa contratos.
O plano da "Coalizão Esperança Agora" é congelar os juros de parte dos financiamentos imobiliários com taxas reajustáveis. No ano que vem, cerca de 1,4 milhão de financiamentos para clientes de segunda linha ("subprime") serão reajustados.
Paulson e cia. querem evitar mais calotes e arrestos de casas. Mais calotes reduziriam ainda mais o preço dos títulos lastreados em hipotecas, tornando ainda mais podres os balanços de instituições financeiras. Mais arrestos aumentariam o estoque de casas sem mercado, derrubando ainda mais os preços dos imóveis, o patrimônio dos americanos, seu ânimo de consumir etc. O plano comeria o dinheiro de quem investiu nos títulos cujo valor depende de pagamentos de hipotecas, derivativos de crédito. É uma quebra de contratos organizada.
O plano prevê ainda que o Congresso permita que Estados e municípios emitam mais títulos de dívida, com isenção fiscal, a fim de ajudar o refinanciamento de imóveis. É a segunda iniciativa de Paulson com o objetivo de tapar rombos de bancos e empurrar a crise com a barriga.
Enquanto isso, os ares das finanças ficam cada vez mais mefíticos. Um estudo encomendado pelo "Wall Street Journal" mostra que financeiras e bancos empurraram financiamentos caros, "subprime" mesmo para muita gente que tinha condição de obter dinheiro mais barato. Descobriu-se que o fundo estadual da Flórida sofre uma corrida, pois perde bilhões com investimentos em derivativos de crédito imobiliário. O fundo supervisiona investimentos de cidades, escolas e de previdência de servidores. Pode haver mais fundos de pensão avariados.
A previsão de lucro de Wall Street sofreu ontem nova rodada de degradação. Para a média dos analistas, o lucro do setor financeiro deve cair 31% no quarto trimestre de 2007 (contra 2006). Para o Deutsche Bank, novembro será o pior mês, em anos, do mercado de renda fixa.
O problema do calote "subprime" era, em si, pequeno. Mas os bancos tomaram muito dinheiro emprestado para comprar títulos com renda derivada de hipotecas. Quando mais gente passou a recusar a renovação desses empréstimos, a pirâmide de cartas desabou. Quem vai pagar a conta da hipocrisia liberalóide?


vinit@uol.com.br

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