São Paulo, sábado, 05 de dezembro de 2009

Texto Anterior | Índice

ANÁLISE

Casas Bahia é vítima da própria inovação

MARCIO AITH
DA REPORTAGEM LOCAL

A empresa que destravou o potencial do consumidor de baixa renda não resistiu, sozinha, à emancipação do consumidor de baixa renda.
Essa é a principal ironia da venda do controle da Casas Bahia para o Pão de Açúcar. Fundada em 1952, a Casas Bahia inovou ao inventar prestações que coubessem dentro do orçamento dos consumidores, independentemente dos juros embutidos.
Deve-se a essa invenção a capacidade da empresa de alimentar-se das adversidades brasileiras -a Casas Bahia cresceu devido às adversidades, e não apesar delas.
Se 80% da população brasileira não possuía conta em banco, as lojas da rede cadastravam consumidores e recebiam os pagamentos por meio de carnês, em dinheiro.
Se os bancos não queriam emprestar para as classes C, D e E, a Casas Bahia financiava, com critérios próprios, quase secretos, consumidores de baixa renda que julgava serem bons pagadores.
A estratégia permitiu à empresa ser uma das poucas portas de entrada das classes C, D e E ao mercado de consumo.
Com ela, a Casas Bahia teve uma expansão meteórica e uma enorme visibilidade -a empresa foi apontada como benchmark pela Michigan Business School, citada como uma das 250 maiores do setor pela National Retail Federation (NRF) e eleita como objeto de estudos no programa de MBA da Harvard Business School.
O modelo funcionou bem durante o período de inflação e juros altos, quando a economia brasileira estava desorganizada e a população de baixa renda não possuía crédito formal.
Mas se tornou anacrônico após o recente boom do mercado de capitais e do aparecimento de mecanismos alternativos e baratos de financiamento das classes de baixa renda.
Até recentemente, a Casas Bahia tinha um modelo rústico de administração, apesar de suas estruturas comercial e de distribuição modernas.
A varejista não fazia divulgação de balanços periódicos nem atendia às regras formais de transparência apreciadas pela comunidade financeira.
Seu modelo particular de administração, segundo analistas de mercado, alijou a empresa do capital barato e abundante, disponível nos últimos anos para as sociedades anônimas e empresas com ação em Bolsa.
Ficar longe dessas fontes de recursos foi um luxo de altíssimo preço para a maior varejista do país, cujo principal negócio é tanto a venda propriamente dita de bens e produtos quanto o financiamento do consumo.
A empresa também passou a sofrer competição de todos os lados, alavancada pelo comércio on-line e pela aliança entre outras redes de varejo e financeiras de grandes bancos.
Nos grandes centros urbanos, a concorrência veio de gigantes como Pão de Açúcar, Walmart, Carrefour e Magazine Luiza. Na internet, de lojas como Submarino, Shoptime, Fnac ou Americanas.
Para piorar, a empresa só em 2009 chegou ao Estado que dá nome à empresa, situado na região cujo consumo mais cresce no país. A entrada no mercado nordestino deu-se pela abertura, em abril, de quatro lojas na cidade de Salvador.
O atraso -de 50 anos, brincam os concorrentes- decorreu de uma opinião do fundador Samuel Klein. Toda vez que lhe perguntavam os motivos da ausência da rede na região, ele respondia que a prioridade era o Sudeste e o Sul.
Como resultado dessa visão, a Casas Bahia chegou tarde a um mercado cujo ímpeto nem a crise mundial sufocou.
Nas periferias do Nordeste, as classes A, B e C cresceram 12% de agosto de 2008, antes da turbulência, a agosto de 2009.
Já a parcela da população da cidade de São Paulo que figurava nas classes A, B e C apresentou queda de 0,8% no período, segundo Marcelo Neri, coordenador do Centro de Políticas Sociais da FGV.
Uma miríade de redes de varejo surgiu no vácuo deixado no Nordeste pela Casas Bahia. Líder na região, a baiana Insinuante, por exemplo, mimetizou nos detalhes a empresa da família Klein e foi por anos a rede que mais cresceu no país. Curiosamente, foi apelidada de a "Casas Bahia do Nordeste".


Colaborou TONI SCIARRETTA , da Reportagem Local


Texto Anterior: Gigante do varejo: Consumidor pode perder com setor concentrado
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.