São Paulo, segunda-feira, 06 de janeiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Ganho fácil no Mercado Atacadista de Energia

CARLOS AUGUSTO RAMOS KIRCHNER

O MAE (Mercado Atacadista de Energia Elétrica) conseguiu finalmente efetuar sua primeira liquidação de compra e venda de energia no mercado de curto prazo no último dia 2. Apesar de os agentes devedores terem que arcar nesta primeira etapa com metade dos valores devidos, relativos aos primeiros 25 meses de existência do MAE, ainda assim veio a ocorrer uma inadimplência de 40% em relação aos montantes totais que deveriam ter sido pagos, sem contar que inúmeras ações judiciais contestando os valores cobrados ainda se encontram aguardando decisão.
O MAE é destinado a efetuar a comercialização da energia não coberta pelos contratos firmados entre geradoras e distribuidoras, portanto referindo-se, em tese, a pequenos ajustes relativos aos desvios dos montantes de energia estipulados em contratos de compra e venda em relação ao que veio a ser efetivamente utilizado. Assim, num primeiro momento, pode parecer incompreensível qual seria a dificuldade de se apurarem, no final de cada mês, as importâncias devidas ou a receber de cada agente do setor elétrico.
Uma distribuidora que tivesse, em determinado mês, utilizado para atender seus consumidores mais energia do que as previstas em seus contratos de compra seria devedora no MAE. A conta seria simples, ou seja, o valor resultante da quantidade de energia adicional recebida multiplicada pelo preço vigente do MAE por MWh (megawatt/hora). Da mesma forma, as geradoras que produzissem naquele mês um "quantum" adicional, além dos contratados, seriam credoras no MAE desta quantidade excedente entregue multiplicada pelo preço vigente do MAE para cada MWh.
Infelizmente nem tudo é tão simples: salta aos olhos o fato de o MAE não gerar ganho para quem produz energia, tendo em vista que as geradoras são as maiores compradoras nesse mercado, enquanto as distribuidoras são as grandes vendedoras. Um empecilho para entender tal distorção são as regras que tornaram confidenciais informações sobre as transações operadas no MAE. Nem sequer os devedores sabem a quem pagarão pela energia comprada.
São as estatais, maiores responsáveis pela geração de energia no país, que devem bilhões de reais no MAE. O mais fantástico é que parte da energia responsável pelos débitos dessas empresas nem sequer existiu: a geradora está simplesmente comprando de volta a obrigação de entregar determinada quantidade de MWh à distribuidora. Em outras palavras, a distribuidora está vendendo uma sobra contratual que, se vendida a uma geradora, equivale simplesmente à não-produção daquela energia.
Outro fato surpreendente é que durante o racionamento e enquanto foram impostas à população metas de contenção de consumo e pesadas punições de multa e ameaças de interrupção no fornecimento, empresas comercializadoras de energia, ou seja, intermediários que nada produzem, ganharam direito de receber milhões de reais no MAE. O preço do MWh naquele período atingiu R$ 684,00, o discutível "custo do déficit", que significa nada menos que 13 vezes o que recebem as empresas geradoras de energia, responsáveis pela implantação de nossas usinas hidrelétricas. Ou seja, quanto maior a crise no setor elétrico, maiores as somas transacionadas no MAE.
As distribuidoras são as que mais ganharam no MAE, mesmo sem produzir energia, pois ali é permitido vender sobras contratuais. A situação inversa, ou seja, excesso de contratação, não implica prejuízo, pois, quando não encontra compradores no MAE, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) possibilita que essas sobras não utilizadas sejam repassadas às tarifas de energia elétrica dos seus consumidores finais.
Para nos deixar mais perplexos, no caso de uma distribuidora ter que buscar no MAE o montante necessário para completar o atendimento de seus consumidores em razão da energia contratada ser insuficiente, repassa tal custo de compra de energia do MAE nos cálculos de reajustes tarifários. Na situação inversa, de venda no MAE de sobras contratuais, tal receita adicional que implicaria redução do reajuste tarifário é desconsiderada, conforme instrução da própria Aneel.
A lógica mercantilista imposta no atual modelo do setor elétrico permite ganhos fáceis; entretanto não atrai novos investidores e exaure a capacidade de realização de nossas grandes geradoras federais. Conforme prometido pelo novo governo, deverão ser auditadas as contas do MAE. Esperamos que a auditoria não se restrinja aos cálculos numéricos efetuados, mas que sejam avaliados os procedimentos quanto a serem ou não moralmente sustentáveis, resgatando a energia elétrica como um serviço público que evidentemente não comporta o seu atual viés especulativo.


Carlos Augusto Ramos Kirchner é diretor do Seesp (Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo) e do Ilumina (Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico).


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