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OPINIÃO ECONÔMICA
Ganho fácil no Mercado Atacadista de Energia
CARLOS AUGUSTO RAMOS KIRCHNER
O MAE (Mercado Atacadista
de Energia Elétrica) conseguiu finalmente efetuar sua primeira liquidação de compra e
venda de energia no mercado de
curto prazo no último dia 2. Apesar de os agentes devedores terem
que arcar nesta primeira etapa
com metade dos valores devidos,
relativos aos primeiros 25 meses
de existência do MAE, ainda assim veio a ocorrer uma inadimplência de 40% em relação aos
montantes totais que deveriam
ter sido pagos, sem contar que
inúmeras ações judiciais contestando os valores cobrados ainda
se encontram aguardando decisão.
O MAE é destinado a efetuar a
comercialização da energia não
coberta pelos contratos firmados
entre geradoras e distribuidoras,
portanto referindo-se, em tese, a
pequenos ajustes relativos aos
desvios dos montantes de energia
estipulados em contratos de compra e venda em relação ao que
veio a ser efetivamente utilizado.
Assim, num primeiro momento,
pode parecer incompreensível
qual seria a dificuldade de se apurarem, no final de cada mês, as
importâncias devidas ou a receber de cada agente do setor elétrico.
Uma distribuidora que tivesse,
em determinado mês, utilizado
para atender seus consumidores
mais energia do que as previstas
em seus contratos de compra seria devedora no MAE. A conta seria simples, ou seja, o valor resultante da quantidade de energia
adicional recebida multiplicada
pelo preço vigente do MAE por
MWh (megawatt/hora). Da mesma forma, as geradoras que produzissem naquele mês um "quantum" adicional, além dos contratados, seriam credoras no MAE
desta quantidade excedente entregue multiplicada pelo preço vigente do MAE para cada MWh.
Infelizmente nem tudo é tão
simples: salta aos olhos o fato de o
MAE não gerar ganho para quem
produz energia, tendo em vista
que as geradoras são as maiores
compradoras nesse mercado, enquanto as distribuidoras são as
grandes vendedoras. Um empecilho para entender tal distorção
são as regras que tornaram confidenciais informações sobre as
transações operadas no MAE.
Nem sequer os devedores sabem a
quem pagarão pela energia comprada.
São as estatais, maiores responsáveis pela geração de energia no
país, que devem bilhões de reais
no MAE. O mais fantástico é que
parte da energia responsável pelos débitos dessas empresas nem
sequer existiu: a geradora está
simplesmente comprando de volta a obrigação de entregar determinada quantidade de MWh à
distribuidora. Em outras palavras, a distribuidora está vendendo uma sobra contratual que, se
vendida a uma geradora, equivale simplesmente à não-produção
daquela energia.
Outro fato surpreendente é que
durante o racionamento e enquanto foram impostas à população metas de contenção de consumo e pesadas punições de multa e
ameaças de interrupção no fornecimento, empresas comercializadoras de energia, ou seja, intermediários que nada produzem,
ganharam direito de receber milhões de reais no MAE. O preço do
MWh naquele período atingiu R$
684,00, o discutível "custo do déficit", que significa nada menos
que 13 vezes o que recebem as empresas geradoras de energia, responsáveis pela implantação de
nossas usinas hidrelétricas. Ou seja, quanto maior a crise no setor
elétrico, maiores as somas transacionadas no MAE.
As distribuidoras são as que
mais ganharam no MAE, mesmo
sem produzir energia, pois ali é
permitido vender sobras contratuais. A situação inversa, ou seja,
excesso de contratação, não implica prejuízo, pois, quando não
encontra compradores no MAE, a
Aneel (Agência Nacional de
Energia Elétrica) possibilita que
essas sobras não utilizadas sejam
repassadas às tarifas de energia
elétrica dos seus consumidores finais.
Para nos deixar mais perplexos,
no caso de uma distribuidora ter
que buscar no MAE o montante
necessário para completar o atendimento de seus consumidores
em razão da energia contratada
ser insuficiente, repassa tal custo
de compra de energia do MAE
nos cálculos de reajustes tarifários. Na situação inversa, de venda no MAE de sobras contratuais,
tal receita adicional que implicaria redução do reajuste tarifário é
desconsiderada, conforme instrução da própria Aneel.
A lógica mercantilista imposta
no atual modelo do setor elétrico
permite ganhos fáceis; entretanto
não atrai novos investidores e
exaure a capacidade de realização de nossas grandes geradoras
federais. Conforme prometido pelo novo governo, deverão ser auditadas as contas do MAE. Esperamos que a auditoria não se restrinja aos cálculos numéricos efetuados, mas que sejam avaliados
os procedimentos quanto a serem
ou não moralmente sustentáveis,
resgatando a energia elétrica como um serviço público que evidentemente não comporta o seu
atual viés especulativo.
Carlos Augusto Ramos Kirchner é diretor do Seesp (Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo) e do Ilumina
(Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico).
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