São Paulo, sábado, 06 de janeiro de 2007

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Setores aquecidos e em crise "dividem" economia americana

EDUARDO PORTER
DO "NEW YORK TIMES"

Os economistas há muito tempo vêm tecendo fantasias sobre a chamada "economia Cachinhos Dourados", aquela na qual a temperatura não é nem fria nem quente demais.
Nesse mundo ideal, a economia funciona com tamanha suavidade que há pouco risco de superaquecimento e de alta da inflação, o que forçaria o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) a elevar os juros. E o mercado de trabalho não está perdendo força e ameaçando lançar a economia ao gélido banho da recessão.
A economia "toda certinha" não costuma se concretizar muitas vezes, é claro, mas, recentemente, o conto de fadas ganhou uma faceta raras vezes vista: temos hoje uma economia que é ao mesmo tempo fria demais e quente demais.
O mercado de habitação se enregelou, e a indústria automobilística. Mas, em outras frentes, entre as quais a construção comercial e o consumo de itens mais dispendiosos, a atividade parece fumegante.
Isso faz com que tanto os economistas quanto o Fed precisem enfrentar um desafio: decidir qual é o maior dos dois riscos, ou seja, se a queda do mercado de habitação vai arrastar com ela o resto da economia, forçando o Fed a cortar juros, ou se a inflação se manterá acima da zona de conforto acatada pelo BC, forçando-o, nesse caso, a elevar as taxas.
Mas outros dizem que, em 2007, a parte quente e a parte fria da economia podem se cancelar mutuamente, o que geraria a temperatura perfeita.
Por enquanto, porém, com o setor de construção residencial iniciando seu segundo ano de queda, muitos economistas reduziram agressivamente suas projeções do PIB em 2007, e alguns começaram até a falar discretamente em recessão.
"Estamos elevando a probabilidade de recessão a 35% em nossas projeções", disse David W. Berson, da Fannie Mae.
Já Charles Dumas, da Lombard, em Londres, prefere apontar para uma série de forças compensatórias, do alto nível de emprego ao crescimento da renda, passando pelo investimento empresarial robusto.
No caso de Andrew Palau, que dirige a construtora Premier Homes and Additions, os negócios despencaram quando o mercado da habitação entrou em colapso, reduzindo a demanda por novas suítes e reformas de cozinhas em todo o condado de Bergen, no nordeste do Estado de Nova Jersey.
Virtualmente todas as construtoras do país compartilham da preocupação expressa por Palau. Mas a situação do lado de fora da economia vinculada à habitação oferece panorama fortemente divergente.
"Nosso mercado está muito perto de operar a plena capacidade", disse Michael D. Bolen, presidente-executivo e do conselho da McCarthy Building, de St. Louis, uma construtora comercial que realiza obras como escolas, hospitais, cassinos e estacionamentos.

Em ebulição
Se as declarações de Bolen merecem crédito, o mercado de trabalho enfrenta situação semelhante à do período mais frenético do boom da internet, nos anos 90. "É um caos", ele diz. "Estamos oferecendo gratificações para quem aceita empregos e garantindo vagas para pessoas recém-formadas."
Esse desempenho contrastante gerou uma diferença de opiniões incomumente larga quanto às perspectivas da economia neste ano.
Ian Shepherdson, economista-chefe da High Frequency, projeta estagnação. Ele acredita que o Fed reduzirá sua taxa de referência para os juros de curto prazo dos atuais 5,25% a 3,75% antes do final de 2007.
No mercado futuro, a expectativa é que o Fed reduza os juros a 4,75% no fim deste ano.
Mas Bruce Kasman, economista-chefe do JP Morgan, prevê que a economia crescerá ao saudável ritmo de 3% em 2007. Em lugar de reduzir os juros, o Fed talvez precise elevá-los mais um pouco para conter as pressões inflacionárias.
Os economistas foram apanhados de surpresa pela velocidade com que o mercado de habitação se transformou de bolha cada vez mais inflada em pedra que não pára de cair.
Mas, apesar de todos os danos causados pelo estouro da bolha da habitação, a crise até agora continua limitada a apenas alguns segmentos.
Hoje, virtualmente todos os economistas concordam em que é provável que a recessão na habitação continue a prejudicar o crescimento econômico. Mas o consenso não se mantém quando a questão é avaliar a dimensão dos danos.
O mais importante desacordo gira em torno da intensidade dos efeitos colaterais da recessão na habitação sobre o restante da economia e de que maneira ela afetará o consumo, que responde por mais de 70% da atividade econômica do país.
"Não se pode acreditar que uma recessão importante em um setor que responde por 6% da economia nacional passe sem causar conseqüências", disse Jan Hatzius, economista-chefe do Goldman Sachs para o mercado americano.

Paradoxo do consumo
Muitos economistas argumentam que a queda nos preços da habitação deve resultar em redução forte no consumo. Os proprietários de residências certamente estão extraindo menos dinheiro de seu patrimônio imobiliário.
Mas os consumidores ainda não exibiram qualquer sinal de que estão prontos a fechar as carteiras. O consumo vem sendo sustentado pelo aumento no número de empregos e pelo crescimento nos salários.
Há, no entanto, um ponto fraco crucial em todas as projeções. A meio caminho do colapso de um boom residencial que talvez tenha sido o mais vigoroso da história norte-americana, a economia está navegando em águas desconhecidas. Ninguém sabe de que maneira uma situação como essa se resolve.
Allen Sinai, economista-chefe mundial da Decision Economics, observou que as recessões causadas por crises no setor de habitação costumavam ser caracterizadas por alta nas taxas de juros e crédito escasso, condições que não se aplicam a esse momento de dinheiro relativamente fácil e barato.
Alguns economistas propuseram paralelos com o ano 2000, quando o Fed reverteu sua "postura" monetária rapidamente e começou a cortar juros, após ter alertado sobre riscos inflacionários. Mas a recessão de 2000 surgiu porque empresas endividadas, chocadas com o final do boom da alta tecnologia e a escassez de novos pedidos, pararam de investir e contratar. Hoje, os balanços das empresas vão muito bem.
"Se a habitação for tão prejudicial caindo quanto foi benéfica subindo, teremos recessão", disse Sinai.


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