São Paulo, sábado, 06 de fevereiro de 2010

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Crise econômica leva Zapatero a seu pior momento

ROBERTO DIAS
EM BARCELONA

Enquanto o mercado puxava o tapete da economia espanhola anteontem, o chefe de governo rezava em Washington.
"Não explorarás o trabalhador pobre e necessitado", citou José Luis Rodríguez Zapatero, que escolheu um livro do Antigo Testamento (Deuteronômio, capítulo 24). "Pague seu salário no mesmo dia e antes que o sol se ponha, porque sua vida depende de seu salário."
Zapatero participava como convidado de Barack Obama de um fórum promovido por uma entidade cristã dos EUA.
Seria difícil recusar o convite, mas foi fácil perceber como a coincidência não ajudou em nada a melhorar a imagem dele. A crise faz com que Zapatero viva o momento mais difícil de seus seis anos no cargo.
Foi quebrada a barreira de 4 milhões de desempregados. O BC local estima que, nos últimos três meses de 2009, a quinta maior economia europeia tenha acumulado o sétimo trimestre de recessão. E quase metade dos espanhóis avalia a ação do governo como ruim ou muito ruim.
Como se as arestas internas fossem pequenas, o governo teve ainda que vir a público dizer que a Espanha é muito diferente da Grécia, cercada de dúvidas sobre a sua dívida crescente.
A tempestade financeira leva a outra tormenta política para Zapatero: as medidas pedidas pelo mercado acabam por lhe enfraquecer ainda mais na política interna. "O governo traça reformas para os cidadãos, não para os mercados", defendia-se ontem à noite o líder espanhol.
Um dos objetivos das reformas é atacar o deficit fiscal, previsto para bater em quase 10% do PIB neste ano. O governo fala em baixá-lo em três anos a 3%, a meta exigida pela UE.
Isso envolve mexer no sistema previdenciário, um vespeiro imenso para Zapatero. Sua fonte mais fiel de apoio até aqui, o sindicalismo, posicionou-se contrário à proposta e promete manifestações nas ruas caso o governo não recue.
Perder esse apoio poderia ser a morte política de seu governo. Pesquisa divulgada ontem mostrou que nunca em sua gestão foi tão grande a vantagem eleitoral do PP, o principal partido de oposição, sobre os socialistas (PSOE, de Zapatero).
Resulta curioso, porém, que, ainda que a crise atinja mais fortemente o governo, a oposição tampouco escapa ilesa.
Seu líder, Mariano Rajoy, derrotado duas vezes por Zapatero, também está cada vez mais impopular, já que seu partido se limita a não apoiar nenhuma medida econômica.
Ontem à noite, Zapatero chamou os principais líderes sindicais ao Palácio da Moncloa. Conseguiu apoio a um de seus planos, o da reforma trabalhista, que tenta fomentar os contratos de tempo parcial.
Mas também ficou claro o desacordo sobre a reforma da aposentadoria, o que deixa em aberto a possibilidade de protestos contra o governo. Não por acaso, Zapatero pediu que os trabalhadores dialoguem antes de ir à rua. Resta saber se será ouvido pelos sindicalistas, já que, como definiu o jornal "El Periódico de Catalunya" em sua manchete, "Deus parece não escutar Zapatero".


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