São Paulo, sábado, 06 de fevereiro de 2010

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ANÁLISE

O desgaste das periferias

Dominique Faget - 30.dez.2009/France Presse
O primeiro-ministro espanhol, José Zapatero, em foto obtida por meio de múltiplas exposições

FLOYD NORRIS
DO "NEW YORK TIMES"

Benjamin Franklin disse certa vez, sobre as colônias que viriam a formar os Estados Unidos, que, caso não se mantivessem unidas, seriam enforcadas separadamente. Os países que utilizam o euro agora devem estar imaginando se não estão diante de uma decisão semelhante. O núcleo central do bloco de 16 países -especialmente Alemanha e França- parece sólido.
Mas alguns dos países na periferia da zona do euro estão enfrentando profundos problemas financeiros, com alto desemprego, deficit orçamentários claramente insustentáveis e economias que já não parecem competitivas diante de suas contrapartes europeias. A maneira pela qual a Europa escolherá enfrentar os problemas de seus países periféricos, entre os quais Espanha, Grécia, Portugal e Irlanda, pode determinar a política futura do continente e o futuro do euro.
Os mercados mundiais sofreram um abalo na quinta diante de sinais de que os investidores estavam hesitando em emprestar dinheiro a Portugal. O país precisou reduzir seus planos para captação em curto prazo, algo que a Europa não está acostumada a testemunhar.
Caso os investidores se afastem ou comecem a exigir taxas de juros verdadeiramente exorbitantes, isso colocaria pressão sobre França, Alemanha e outros países da zona do euro para que decidam o que fazer então. Resgatarão seus vizinhos encrencados? Ou permitirão moratórias, com fortes repercussões no mundo?
No cerne do problema está o fato de que a Europa não estava disposta, há pouco mais de uma década, a escolher entre unificação e separação. Queria unificação econômica e independência política dos membros.
Em resumo, o continente queria o melhor dos dois mundos, e por um breve período parecia ter conseguido. Resta uma opinião generalizada de que os países periféricos poderiam contar com seus vizinhos mais prósperos para resgate, caso fosse necessário. Mas um resgate como esse, caso seja empreendido, suscitaria uma questão quanto aos termos. Até que ponto os países resgatados se veriam forçados a abrir mão de sua soberania política? Teriam de reduzir gastos ou aumentar impostos?
Como poderiam fazê-lo, ainda que o desejassem, se os Legislativos nacionais rejeitassem isso? Talvez mais importante, como as economias que vêm enfrentando problemas reconquistarão sua competitividade na Europa? O Pacto de Crescimento e Estabilidade da Europa, que dita as regras para a adesão ao euro, limita as dimensões dos deficit estatais. O seu objetivo era prevenir o tipo de problema agora encontrado. Mas ele não oferecia mecanismos de sanção.
A união política não curaria os problemas econômicos subjacentes, mas tornaria mais fácil a um governo europeu solicitar assistência para as áreas em crise e implementar leis continentais, ainda que estas fossem impopulares.
Mesmo assim, surgiriam problemas. Nos EUA, há certos Estados que enfrentam sérios problemas financeiros. A Califórnia responde por proporção maior da economia norte-americana do que a Grécia com relação à da União Europeia, mas, mesmo que houvesse uma moratória estadual, isso não criaria uma crise nacional. O mundo já tentou obter estabilidade cambial internacional em muitas ocasiões. O padrão-ouro foi uma delas, mas envolvia reter moedas nacionais separadas cujo valor ante o ouro poderia ser ajustado. Alguns economistas acreditam que as taxas de câmbio artificialmente altas foram uma das causas da Grande Depressão.
O que poderia ser diferente na atual zona do euro é que os aspectos legais do sistema não preveem possibilidade de afastamento. Caso um país optasse por abandonar o euro, haveria sérias questões a resolver. Qual seria a nova taxa de câmbio? Como seriam tratadas as dívidas denominadas em euro existentes, quer as nacionais quer as pessoais ou empresariais?
Se fosse necessário pagá-las em euros, isso representaria novo choque para a economia que deixasse o sistema. Se, por outro lado, um país declarasse que a dívida seria paga com base em outra taxa de câmbio, de modo que uma dívida de 100 passasse a poder ser paga em moeda local, cujo novo valor seria inferior a 100, a situação pareceria absurdamente injusta para os credores.
Não existe garantia de que medidas extremas como essas venham a ser necessárias, agora ou no futuro. A Europa pode bem sobreviver aos trancos, com vagas promessas de mudança.
Mas as previsões otimistas de que os países europeus, diante da impossibilidade de desvalorizar suas moedas, liberalizariam suas economias, para torná-las mais competitivas, provaram-se falsas. Se o problema do euro virar crise, porém, 2010 pode se transformar no ano das fugas cambiais. Os Estados Unidos e a Europa estão ambos demonstrando mais irritação diante da recusa chinesa em permitir valorização do yuan diante do dólar, uma política que torna ainda mais competitiva a economia chinesa.
Os ajustes cambiais não são panaceia. Desvalorizações competitivas eram comuns durante a depressão e em nada ajudaram a economia mundial.
Mas alguma flexibilidade é necessária quando as circunstâncias econômicas mudam. Em algumas porções críticas da economia mundial, essa flexibilidade hoje não existe.

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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