São Paulo, segunda-feira, 06 de março de 2006

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"FRONTEIRA LIVRE"

Indústrias cobiçam despacho da Receita Federal que permite a via rápida nas operações de comércio exterior

Empresa quer "tratamento VIP" para exportar

Alberto Cesar Araujo - 18.nov.05/Folha Imagem
BYTES Linha de produção da Philips em Manaus; empresa obtém acesso ao despacho aduaneiro expresso


FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI

DA REPORTAGEM LOCAL

O privilégio concedido pela Receita Federal a 12 indústrias, como Embraer, Bosch, IBM, Volks, Motorola e Philips, para "ter fronteira livre" no comércio exterior brasileiro começa a ser cobiçado por empresários de todo o país.
O grupo de 12 empresas, que participa com cerca de 10% do comércio exterior brasileiro, está autorizado a importar e a exportar por meio da chamada "linha azul" -um despacho aduaneiro expresso, criado em 1999 e regulamentado por instruções normativas de 2004 e 2005 pela Receita Federal, que facilita e agiliza as operações de comércio exterior.
Quem tem acesso à "linha azul" sofre o mínimo de intervenção da fiscalização aduaneira. E, quando realizada, é feita em caráter prioritário. Na prática, 99% das declarações de importações desse grupo são liberadas sem conferência física de mercadorias e documentos.
Em contrapartida, as empresas têm de cumprir uma lista de requisitos: estar em dia com o fisco, ter controle contábil informatizado, possuir patrimônio líquido igual ou superior a R$ 20 milhões, ter um fluxo comercial mínimo de US$ 10 milhões e apresentar relatório de auditoria para dar aval ao cumprimento de obrigações tributárias e aduaneiras.
As empresas também não podem ter sócios em paraísos fiscais ou atuar por conta e ordem de terceiros -como as importadoras. Essas exigências evitam, na análise da Receita Federal, que empresas "fantasmas" operem nesse sistema e cometam fraudes para fugir do pagamento de tributos, como a prática de subfaturamento.
"As vantagens que a "linha azul" oferece são a redução de custos sobre o capital investido, já que os componentes ficam menos tempo "presos" nas alfândegas, e a flexibilidade nas linhas de produção, o que possibilita cumprir os prazos de entrega dos produtos", diz Djalma Alves da Silva, vice-presidente industrial para a América Latina da Philips, que terá acesso à "linha azul" neste mês.
Componentes eletrônicos importados que ficam até 21 dias em trânsito dentro do país, segundo informa Alves da Silva, estarão disponíveis às fábricas em nove dias, caso a empresa tenha acesso ao despacho aduaneiro expresso.

Economia com estoques
A Volkswagen informa que um dos principais benefícios da medida é a economia com seus estoques. "Como existe a certeza de que as mercadorias vão ser desembaraçadas, não é necessário manter estoques elevados", afirma Richard Schues, diretor da Volkswagen Transport, braço logístico da montadora.
A possibilidade de as mercadorias importadas chegarem mais rapidamente às fábricas desperta o interesse de empresários de vários setores. Eles querem que a Receita estenda a "linha azul" a empresas pequenas e médias.
"A "linha azul" foi concebida para facilitar a vida de quem é sério. Só que também existem pequenas e médias empresas sérias", afirma Synésio Batista da Costa, presidente da Abrinq, associação dos fabricantes de brinquedos.
Em um mês, o empresário deve apresentar uma proposta de "linha azul" para os setores de brinquedos e ótica. Uma das exigências hoje é que a empresa tenha um patrimônio líquido de, no mínimo, R$ 20 milhões. O presidente da Abrinq vai sugerir à Receita que estabeleça um limite para a empresa importar e exportar por meio da "linha azul" com base no patrimônio líquido. "Por que quem importa óculos Gucci e está limpo na praça não pode ter benefícios aduaneiros?", questiona.
A "linha azul" é uma medida eficiente para incrementar o comércio exterior, mas precisa ser reformulada, diz o consultor Lúcio Abrahão, sócio-diretor da área tributária da BDO Trevisan.
"As exigências tornam a "linha azul" elitizada. Só pode participar quem tem poder de fogo. A iniciativa é fantástica, mas não atende à realidade das empresas, que são, em sua maior parte, de pequeno e médio portes. É preciso ver ainda se a Receita terá condições de dar esse tratamento "VIP" a um número maior de empresas."

Regras mais flexíveis
Ronaldo Lázaro Medina, coordenador-geral da Coana (Coordenação Geral de Administração Aduaneira da Receita Federal), informa que já houve flexibilização nas regras que dão acesso ao despacho aduaneiro expresso.
A exigência era que a empresa tivesse um fluxo comercial mínimo de US$ 30 milhões por ano. Esse valor foi reduzido para US$ 10 milhões. Havia também restrição aos locais de entrada de mercadorias no país, o que já não existe mais hoje. Com essas medidas, a Receita espera que pelo menos mais 15 empresas passem a ter o benefício da "linha azul" neste ano e outras 20 em 2007. "Acho que podemos chegar a 200 empresas em 2008. Acreditamos que mil empresas tenham condições de obter o benefício no país", diz.
Ronaldo de Souza Forte, diretor-adjunto de assuntos institucionais da Santos Brasil, empresa que opera com exclusividade a "linha azul" no porto dos Santos, informa que foi gasto US$ 1 milhão só com a compra de scanner para ser usado no despacho expresso. É que a Receita exige que o interessado em operar a "linha azul" instale raios X nos locais de desembaraço de mercadorias.


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