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BENJAMIN STEINBRUCH
Protesto contra um pretexto
Nem bem o mercado havia entendido o que houve na Bolsa chinesa e a cantilena da "parcimônia" já estava no ar
NAS DUAS últimas semanas, escrevi sobre segurança, procurando fugir um pouco dos
temas pesadamente econômicos.
Mas, depois do que aconteceu na semana passada, com o efeito Xangai e
suas conseqüências no Brasil, é impossível resistir.
Nem bem o mercado havia entendido o que se passara na Bolsa chinesa, na terça-feira passada, e a cantilena da "parcimônia" já estava no ar,
com insinuações de que as turbulências no front externo poderiam justificar mais aperto na política monetária brasileira.
Em outras palavras, tentou-se
passar a idéia de que os eventos com
origem na China justificariam uma
nova redução, pelo Copom, de apenas 0,25 ponto percentual na taxa de
juros, no encontro de hoje e amanhã, embora o próprio mercado já
espere 0,5 ponto percentual e, pasmem, o próprio pai do Consenso de
Washington, o conservador John
Williamson, ache que o Banco Central brasileiro deveria ser mais
agressivo na redução dos juros, que,
na opinião dele, poderiam estar dois
pontos percentuais abaixo dos
atuais 13%.
As análises internacionais explicam bem o que ocorreu na China. A
Bolsa de Xangai é um mercado tipicamente voltado ao investidor local.
Cerca de 30% do Índice Composto
da Bolsa refletem a variação das
ações de três grandes empresas (estatais) chinesas, focadas no mercado
interno. Investidores estrangeiros
participam do mercado em pequeno
número, em razão de restrições oficiais, e operam mais pesadamente
na Bolsa de Hong Kong.
No ano passado, a Bolsa de Xangai
teve valorização de 130%, refletindo
uma verdadeira corrida dos chineses à compra de ações, ainda uma
novidade no país recém-convertido
a um capitalismo sui generis. Como
os juros são baixos, investidores tomam dinheiro emprestado nos bancos e até em cartões de crédito para
comprar ações, uma operação de
risco.
Diante desse cenário que lembra
"bolhas" do passado, o governo chinês começou a acenar com possíveis
restrições, como a criação de um imposto sobre ganhos de capital com
ações. A percepção mais clara do risco levou à venda de ações e à queda
de 9% na terça-feira da última semana, com efeito em todos os mercados
mundiais.
O susto, portanto, não decorreu de
previsões pessimistas sobre a economia chinesa, que continua com
crescimento estimado de 9,4% para
este ano. Nem há no horizonte da
economia mundial nenhuma ameaça de recessão. Os Estados Unidos,
embora devam desacelerar seu ritmo de expansão, ainda crescerão entre 2,5% e 3% em 2007.
Uma olhada nos Indicadores Econômico-Financeiros das últimas páginas da revista britânica "The Economist" revela que o ciclo da expansão continua inalterado nos radares
da economia global. Numa lista de
56 países desenvolvidos e emergentes, todos têm sinal positivo ao lado
do número que indica a variação do
PIB prevista para este ano.
Internamente, soa redundante
observar que a inflação continua em
nível bastante baixo e em queda.
Nos últimos 12 meses até janeiro, o
IPCA subiu apenas 2,99%, bem
abaixo do centro da meta de inflação
do ano, de 4,5%.
Não se pode subestimar, é claro, o
risco potencial de um eventual crash
na Bolsa de Xangai, que já movimenta mais de US$ 1 trilhão por ano. Ontem, por exemplo, as Bolsas asiáticas voltaram a puxar os mercados
mundiais para baixo. No entanto,
daí a usar isso como pretexto para
endurecer ainda mais a já rígida política monetária brasileira, vai uma
grande distância.
Essa cantilena da parcimônia já
foi longe demais. Ela tem segurado o
crescimento da economia por mais
de uma década no país. Soubemos
na quarta-feira da semana passada
que no primeiro governo Lula, inaugurado com promessas de promover o "espetáculo do crescimento", o
PIB aumentou em média 2,6% ao
ano, nível idêntico ao do primeiro
governo de Fernando Henrique
Cardoso. Ou seja, pífio.
Lula disse que o país está preparado para o crescimento. Está mesmo.
O presidente e o país sabem disso.
Mas, um grande navio, carregado
para partir, jamais vai zarpar se não
houver alguém para soltar as amarras. Principalmente se um punhado
de marinheiros armados vigiam o
porto e atiram sem dó em qualquer
um que tente desatar os nós.
BENJAMIN STEINBRUCH, 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo).
bvictoria@psi.com.br
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