São Paulo, terça-feira, 06 de março de 2007

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BENJAMIN STEINBRUCH

Protesto contra um pretexto

Nem bem o mercado havia entendido o que houve na Bolsa chinesa e a cantilena da "parcimônia" já estava no ar

NAS DUAS últimas semanas, escrevi sobre segurança, procurando fugir um pouco dos temas pesadamente econômicos. Mas, depois do que aconteceu na semana passada, com o efeito Xangai e suas conseqüências no Brasil, é impossível resistir.
Nem bem o mercado havia entendido o que se passara na Bolsa chinesa, na terça-feira passada, e a cantilena da "parcimônia" já estava no ar, com insinuações de que as turbulências no front externo poderiam justificar mais aperto na política monetária brasileira.
Em outras palavras, tentou-se passar a idéia de que os eventos com origem na China justificariam uma nova redução, pelo Copom, de apenas 0,25 ponto percentual na taxa de juros, no encontro de hoje e amanhã, embora o próprio mercado já espere 0,5 ponto percentual e, pasmem, o próprio pai do Consenso de Washington, o conservador John Williamson, ache que o Banco Central brasileiro deveria ser mais agressivo na redução dos juros, que, na opinião dele, poderiam estar dois pontos percentuais abaixo dos atuais 13%.
As análises internacionais explicam bem o que ocorreu na China. A Bolsa de Xangai é um mercado tipicamente voltado ao investidor local. Cerca de 30% do Índice Composto da Bolsa refletem a variação das ações de três grandes empresas (estatais) chinesas, focadas no mercado interno. Investidores estrangeiros participam do mercado em pequeno número, em razão de restrições oficiais, e operam mais pesadamente na Bolsa de Hong Kong.
No ano passado, a Bolsa de Xangai teve valorização de 130%, refletindo uma verdadeira corrida dos chineses à compra de ações, ainda uma novidade no país recém-convertido a um capitalismo sui generis. Como os juros são baixos, investidores tomam dinheiro emprestado nos bancos e até em cartões de crédito para comprar ações, uma operação de risco.
Diante desse cenário que lembra "bolhas" do passado, o governo chinês começou a acenar com possíveis restrições, como a criação de um imposto sobre ganhos de capital com ações. A percepção mais clara do risco levou à venda de ações e à queda de 9% na terça-feira da última semana, com efeito em todos os mercados mundiais.
O susto, portanto, não decorreu de previsões pessimistas sobre a economia chinesa, que continua com crescimento estimado de 9,4% para este ano. Nem há no horizonte da economia mundial nenhuma ameaça de recessão. Os Estados Unidos, embora devam desacelerar seu ritmo de expansão, ainda crescerão entre 2,5% e 3% em 2007.
Uma olhada nos Indicadores Econômico-Financeiros das últimas páginas da revista britânica "The Economist" revela que o ciclo da expansão continua inalterado nos radares da economia global. Numa lista de 56 países desenvolvidos e emergentes, todos têm sinal positivo ao lado do número que indica a variação do PIB prevista para este ano.
Internamente, soa redundante observar que a inflação continua em nível bastante baixo e em queda. Nos últimos 12 meses até janeiro, o IPCA subiu apenas 2,99%, bem abaixo do centro da meta de inflação do ano, de 4,5%.
Não se pode subestimar, é claro, o risco potencial de um eventual crash na Bolsa de Xangai, que já movimenta mais de US$ 1 trilhão por ano. Ontem, por exemplo, as Bolsas asiáticas voltaram a puxar os mercados mundiais para baixo. No entanto, daí a usar isso como pretexto para endurecer ainda mais a já rígida política monetária brasileira, vai uma grande distância.
Essa cantilena da parcimônia já foi longe demais. Ela tem segurado o crescimento da economia por mais de uma década no país. Soubemos na quarta-feira da semana passada que no primeiro governo Lula, inaugurado com promessas de promover o "espetáculo do crescimento", o PIB aumentou em média 2,6% ao ano, nível idêntico ao do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, pífio.
Lula disse que o país está preparado para o crescimento. Está mesmo. O presidente e o país sabem disso. Mas, um grande navio, carregado para partir, jamais vai zarpar se não houver alguém para soltar as amarras. Principalmente se um punhado de marinheiros armados vigiam o porto e atiram sem dó em qualquer um que tente desatar os nós.


BENJAMIN STEINBRUCH, 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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