São Paulo, terça-feira, 06 de março de 2007

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Para Nobel, economia real azeda mercado financeiro

Há muita ignorância sobre a China, diz Mike Spence, Nobel de Economia de 2001

Para economista, percepção da freada da economia dos EUA e seus efeitos globais causa instabilidade; reação à China foi "exagerada"


VINICIUS TORRES FREIRE
COLUNISTA DA FOLHA

A ignorância a respeito do mercado de ações e da economia chinesa provocou uma reação exagerada dos investidores mundiais à queda da Bolsa de Xangai. Mas a instabilidade nos mercados do mundo inteiro tem uma causa real: é a economia real, em particular a mais real de todas, a americana, que está crescendo menos.
A opinião é de Mike Spence, 63, Nobel de Economia em 2001 e professor da Universidade Stanford (EUA). Spence foi "nobelizado" com Joseph Stiglitz e George Akerlof. Os três economistas desenvolveram trabalhos sobre mercados com "informação assimétrica".
Em resumo muito simples, tais estudos analisam os efeitos negativos do fato de, nos mercados, um participante de uma transação deter mais informações do que sua contraparte.
Spence têm mais dúvidas do que convicções e diz não saber avaliar o risco de bolhas financeiras. Mas ressalta a influência da economia real na turbulência de agora e a interconexão das economias, que pode fazer até "uma economia nem assim tão grande", como a chinesa, afetar o planeta. Mas, em todo o caso, o pontapé inicial de um possível efeito-dominó de economias reais seria dado pelos EUA. A seguir, a entrevista.

 

FOLHA - A queda na Bolsa chinesa detonou um movimento maior no mercado mundial ou se trata apenas de uma correção breve? Os investidores de Bolsas teriam começado a levar em conta a desaceleração nos EUA? O que houve?
MIKE SPENCE -
Na verdade, suspeito que o detonador [da instabilidade] provavelmente foi o temor de uma desaceleração na economia dos Estados Unidos. Isso afetaria de maneira negativa as exportações e o crescimento chineses. O mercado de Xangai é relativamente novo e volátil. Houve provavelmente uma reação exagerada deles [a riscos de o governo regular mais fortemente a Bolsa] -ou em breve vamos ver se isso é verdade.
É preciso considerar também que mais de 50% das companhias negociadas na Bolsa lá são de propriedade do governo. Enfim, cerca de 70% das ações estão nas mãos de indivíduos, e não de investidores institucionais. São características de uma Bolsa que tende à volatilidade.

FOLHA - Em outras palavras, o pânico na China foi só um sinal que levou investidores a prestar atenção a indicadores americanos tais como a queda no mercado imobiliário, de vendas de carros, na inversão da curva de juros, o recorde nos empréstimos para comprar ações?
SPENCE -
Acho que sim, as pessoas passaram a prestar atenção a todos esses fatores que você cita. Mas também acho que a reação a tudo isso foi maior do que precisava ser. E também foi exagerada a reação à China. É verdade que o crescimento chinês tem influência importante em todos os seus parceiros comerciais, o que inclui Europa, Japão e também os EUA. Mas meu palpite é que o resto do mundo não entende ainda que a Bolsa de Xangai é relativamente volátil. Por isso a reação exagerada.

FOLHA - O excesso de liqüidez e a excessiva confiança no crescimento dos mercados, dado o longo período de baixa volatilidade, provocaram uma valorização exagerada e agora "caiu a ficha"?
SPENCE -
É verdade que a volatilidade vinha sendo baixa no passado recente e que os mercados se deram conta também disso. Mas não descreveria as reações atuais como "pânico". Trata-se mais de preocupações reais sobre o crescimento da economia global e seu impacto sobre o comércio e os lucros.

FOLHA - Há alguma novidade nos "contágios" financeiros, na transmissão de crises de um mercado para outro? Alguma coisa diferente em relação aos mecanismos que criaram as crises de 1997 a 2001?
SPENCE -
Acho que não. Mas deixe de lado, por um momento, os mercados financeiros. Pense na atividade econômica. Há uma crescente interdependência na economia global. A China não é uma economia assim tão grande, mas seu crescimento tem um impacto material em outros países (aliás, na maioria deles). Os mercados financeiros "entendem" a interdependência e reagem a isso. Então diria que o mecanismo de transmissão [da presente instabilidade] são as conexões subjacentes entre as economias reais, conexões que são percebidas pelos mercados.

FOLHA - O sr. diria que há bolhas ou um volume de operações arriscadamente exagerado em mercados em que atuam os "hedge funds" e os fundos de "private equity"?
SPENCE -
Pode ser que sim, mas acho muito cedo para dizê-lo. Minha preocupação não é com a crescente atividade de "private equity", incluindo essas aquisições enormes que eles fazem. O problema, na minha opinião, é o aumento grande de suas dívidas [empréstimos tomados para alavancar aquisições], que torna o sistema inteiro mais vulnerável a choques.

FOLHA - Enfim, qual o aspecto ou desdobramento mais importante da presente turbulência?
SPENCE -
Por ora, não estou particularmente preocupado. Sim, parece que todos os mercados globais vão passar por uma correção. Mas acho que os mercados financeiros estão ficando mais maduros. Claro que isso é um processo longo, e ainda existem lacunas de informação ("informational gaps").
Por exemplo, a economia chinesa e seus mercados financeiros não são de modo algum completamente desenvolvidos.
De fora, é difícil entendê-los. O sistema financeiro global tem uma compreensão imprecisa da economia e dos mercados de capitais chineses e vai continuar assim por algum tempo. Isso ainda vai ajudar a provocar uma volatilidade maior no curto e no médio prazos.


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