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Para Nobel, economia real azeda mercado financeiro
Há muita ignorância sobre a China, diz Mike Spence, Nobel de Economia de 2001
Para economista, percepção da freada da economia dos EUA e seus efeitos globais causa instabilidade; reação à China foi "exagerada"
VINICIUS TORRES FREIRE
COLUNISTA DA FOLHA
A ignorância a respeito do
mercado de ações e da economia chinesa provocou uma reação exagerada dos investidores
mundiais à queda da Bolsa de
Xangai. Mas a instabilidade nos
mercados do mundo inteiro
tem uma causa real: é a economia real, em particular a mais
real de todas, a americana, que
está crescendo menos.
A opinião é de Mike Spence,
63, Nobel de Economia em
2001 e professor da Universidade Stanford (EUA). Spence
foi "nobelizado" com Joseph
Stiglitz e George Akerlof. Os
três economistas desenvolveram trabalhos sobre mercados
com "informação assimétrica".
Em resumo muito simples,
tais estudos analisam os efeitos
negativos do fato de, nos mercados, um participante de uma
transação deter mais informações do que sua contraparte.
Spence têm mais dúvidas do
que convicções e diz não saber
avaliar o risco de bolhas financeiras. Mas ressalta a influência
da economia real na turbulência de agora e a interconexão
das economias, que pode fazer
até "uma economia nem assim
tão grande", como a chinesa,
afetar o planeta. Mas, em todo o
caso, o pontapé inicial de um
possível efeito-dominó de economias reais seria dado pelos
EUA. A seguir, a entrevista.
FOLHA - A queda na Bolsa chinesa
detonou um movimento maior no
mercado mundial ou se trata apenas de uma correção breve? Os investidores de Bolsas teriam começado a levar em conta a desaceleração
nos EUA? O que houve?
MIKE SPENCE - Na verdade, suspeito que o detonador [da instabilidade] provavelmente foi o
temor de uma desaceleração na
economia dos Estados Unidos.
Isso afetaria de maneira negativa as exportações e o crescimento chineses.
O mercado de Xangai é relativamente novo e volátil. Houve
provavelmente uma reação
exagerada deles [a riscos de o
governo regular mais fortemente a Bolsa] -ou em breve
vamos ver se isso é verdade.
É preciso considerar também que mais de 50% das companhias negociadas na Bolsa lá
são de propriedade do governo.
Enfim, cerca de 70% das ações
estão nas mãos de indivíduos, e
não de investidores institucionais. São características de uma
Bolsa que tende à volatilidade.
FOLHA - Em outras palavras, o pânico na China foi só um sinal que levou investidores a prestar atenção a
indicadores americanos tais como a
queda no mercado imobiliário, de
vendas de carros, na inversão da curva de juros, o recorde nos empréstimos para comprar ações?
SPENCE - Acho que sim, as pessoas passaram a prestar atenção a todos esses fatores que
você cita. Mas também acho
que a reação a tudo isso foi
maior do que precisava ser. E
também foi exagerada a reação
à China. É verdade que o crescimento chinês tem influência
importante em todos os seus
parceiros comerciais, o que inclui Europa, Japão e também
os EUA. Mas meu palpite é que
o resto do mundo não entende
ainda que a Bolsa de Xangai é
relativamente volátil. Por isso a
reação exagerada.
FOLHA - O excesso de liqüidez e a
excessiva confiança no crescimento
dos mercados, dado o longo período
de baixa volatilidade, provocaram
uma valorização exagerada e agora
"caiu a ficha"?
SPENCE - É verdade que a volatilidade vinha sendo baixa no
passado recente e que os mercados se deram conta também
disso. Mas não descreveria as
reações atuais como "pânico".
Trata-se mais de preocupações
reais sobre o crescimento da
economia global e seu impacto
sobre o comércio e os lucros.
FOLHA - Há alguma novidade nos
"contágios" financeiros, na transmissão de crises de um mercado para outro? Alguma coisa diferente em
relação aos mecanismos que criaram as crises de 1997 a 2001?
SPENCE - Acho que não. Mas
deixe de lado, por um momento, os mercados financeiros.
Pense na atividade econômica.
Há uma crescente interdependência na economia global. A
China não é uma economia assim tão grande, mas seu crescimento tem um impacto material em outros países (aliás, na
maioria deles). Os mercados financeiros "entendem" a interdependência e reagem a isso.
Então diria que o mecanismo
de transmissão [da presente
instabilidade] são as conexões
subjacentes entre as economias reais, conexões que são
percebidas pelos mercados.
FOLHA - O sr. diria que há bolhas ou
um volume de operações arriscadamente exagerado em mercados em
que atuam os "hedge funds" e os
fundos de "private equity"?
SPENCE - Pode ser que sim, mas
acho muito cedo para dizê-lo.
Minha preocupação não é com
a crescente atividade de "private equity", incluindo essas
aquisições enormes que eles fazem. O problema, na minha
opinião, é o aumento grande de
suas dívidas [empréstimos tomados para alavancar aquisições], que torna o sistema inteiro mais vulnerável a choques.
FOLHA - Enfim, qual o aspecto ou
desdobramento mais importante
da presente turbulência?
SPENCE - Por ora, não estou
particularmente preocupado.
Sim, parece que todos os mercados globais vão passar por
uma correção. Mas acho que os
mercados financeiros estão ficando mais maduros. Claro que
isso é um processo longo, e ainda existem lacunas de informação ("informational gaps").
Por exemplo, a economia
chinesa e seus mercados financeiros não são de modo algum
completamente desenvolvidos.
De fora, é difícil entendê-los. O
sistema financeiro global tem
uma compreensão imprecisa
da economia e dos mercados de
capitais chineses e vai continuar assim por algum tempo.
Isso ainda vai ajudar a provocar
uma volatilidade maior no curto e no médio prazos.
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