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OPINIÃO ECONÔMICA
Por trás dos lucros alucinantes
ALOYSIO BIONDI
Nos países ricos, os lucros dos
bancos, durante um ano inteiro,
ficam entre 6% e 8% do patrimônio líquido. Em um ano. No
Brasil, bancos conseguiram, em
anos recentes, lucros que representavam o dobro da média
mundial, na faixa de 11% a 12%.
Em um ano.
No exercício de 1998, grandes
bancos chegaram aos 18% de
rentabilidade, no Brasil. Em um
ano. Agora, no mês de janeiro,
os bancos que operam no Brasil,
nacionais ou estrangeiros, grandes ou pequenos, obtiveram resultados que, possivelmente,
nunca ocorreram em lugar nenhum do mundo. Houve lucros
de 100%, ou 200%, ou 300%, isto
é, esses bancos duplicaram, triplicaram ou multiplicaram por
quatro o seu patrimônio líquido. Em um mês. No total, 181
bancos lucraram R$ 3,3 bilhões.
Em um mês. Praticamente o dobro dos lucros que eles registraram em 1998, de R$ 1,8 bilhão.
Em um ano.
De onde vieram esses lucros?
Explica-se, superficialmente,
que os bancos tinham aplicado
seus recursos em "operações
com o dólar" e por isso ganharam rios de dinheiro com a desvalorização do real.
O que são essas operações com
o dólar? Há dois tipos principais, ambos à custa do Tesouro,
isto é, de toda a sociedade brasileira: venda de títulos da União
e do Banco Central, com correção cambial (isto é, valor reajustado pelo dólar) e venda de
(contratos de) dólar, nas Bolsas
de futuros, a preços baixos, como tentativa de evitar a queda
do real, realizada pelo mesmo
Banco Central por meio de "laranjas".
Quanto o Banco Central teve
de prejuízo com essas vendas de
dólar "barato"? As quatro últimas linhas de uma notícia publicada por jornais na última
semana revelaram o dado oficial: os prejuízos chegaram a R$
8 bilhões. Só em janeiro. Uma
grande parcela desses R$ 8 bilhões alimentou, é óbvio, o lucro
dos bancos, de R$ 3,3 bilhões. E o
restante? Transformou-se em
lucro também para os grupos
empresariais, nacionais e estrangeiros, que também "aplicaram em dólares".
O preço da "farra"
Lucros, por mais alucinados
que sejam, nada têm de imoral
em si, dentro das regras capitalistas. Mas, no caso brasileiro,
há um aspecto que não parece
ter sido suficientemente avaliado pela sociedade: classe média,
povão, empresários, agricultores. Todos esses lucros, em última análise, são apenas o outro
lado da medalha, do chamado
"rombo" do Tesouro, isto é, esses
lucros ampliam a crise, atrasam
qualquer perspectiva de abrandamento da crise econômica,
prolongam a recessão e consequentemente o desemprego e a
ameaça de quebra de milhares
de empresas.
E há pontos misteriosos nesses
lucros, que a opinião pública
certamente gostaria que o Congresso investigasse, em busca de
uma resposta. A principal explicação para os lucros de 100%,
200%, 300% dos bancos é extremamente simplista: repete-se
que os ganhos vieram da desvalorização de 40% do real, em janeiro.
Algumas continhas simples
mostram aspectos intrigantes
dessa lucratividade: suponha-se
que um banco A, com um patrimônio de 100, tenha tido um lucro de 300, aplicando em dólar.
Quanto ele precisaria aplicar,
para ganhar esses 300%? Se a
desvalorização foi de 40%, isto
é, o lucro foi de 40%, seria preciso o banco aplicar 750, para ganhar esses 300. Isto é, ele precisaria aplicar 7,5 vezes o patrimônio líquido. Vale dizer: os
bancos precisaram "pegar" dinheiro emprestado, a juros baixíssimos, para ainda conseguir
os 40% de ganho. Quem forneceu esse dinheiro, se no mês de
janeiro os financiamentos externos ao Brasil continuavam
suspensos e a saída de dólares
prosseguia?
Sem manchete
Também na semana passada,
o Banco Central divulgou um
dado impressionante, que, estranhamente, somente foi publicado por um único jornal e, ainda assim, em um modesto pé de
página interna. Diz o Banco
Central -e não são as "esquerdas", não -que os bancos brasileiros aplicaram, para eles ou
seus clientes, nada menos de
US$ 35 bilhões no paraíso fiscal
das Ilhas Cayman. E têm mais
US$ 10 bilhões aplicados em dois
outros paraísos fiscais, as Bahamas e o Panamá. São US$ 45 bilhões que "fugiram" para o exterior, aplicados por brasileiros,
empresas ou pessoas físicas,
dando origem à política de juros
altos, quebra do Tesouro, crise
da economia, derrocada do real.
Tudo sob as barbas ou com o beneplácito do Banco Central e do
Ministério da Fazenda.
Decididamente, não há nenhuma explicação lógica para a
pretensa política econômica
adotada no país nos últimos
anos e, principalmente, nos últimos meses. Ou há? Uma política
que agora eleva novamente as
taxas de juro para 45%, a pretexto de "esfriar" a economia
para combater a "volta da inflação", apesar de todas as estatísticas mostrarem que a economia
já está "gelada"? Por que os juros altos? Quem ganha?
Lembrete ao Congresso
No final do ano, os banqueiros
estrangeiros anunciaram insistentemente que, junto com o
"pacote" do FMI, haveria um
"pacote" também dos bancos
privados, de US$ 15 bilhões, para apoiar o Brasil. Os dólares
não vieram. Ao contrário. Os
bancos internacionais não renovaram os empréstimos, que
iam vencendo, exigindo a remessa de dólares para seus países. Essa "fuga" intensificou a
queda do real, que todos os analistas afirmam ter sido exagerada. E, curiosamente, os bancos
internacionais -que não trouxeram os dólares- tinham
grandes fortunas aplicadas em
negócios com dólar, lucrando
esses horrores com a desvalorização exagerada.
Se isso não é manobra especulativa para afundar exageradamente o real e encurralar o Brasil, que nome ela merece?
Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico.
Foi editor de Economia da Folha. Escreve aos
sábados no caderno Dinheiro.
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