São Paulo, Sábado, 06 de Março de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Por trás dos lucros alucinantes

ALOYSIO BIONDI

Nos países ricos, os lucros dos bancos, durante um ano inteiro, ficam entre 6% e 8% do patrimônio líquido. Em um ano. No Brasil, bancos conseguiram, em anos recentes, lucros que representavam o dobro da média mundial, na faixa de 11% a 12%. Em um ano.
No exercício de 1998, grandes bancos chegaram aos 18% de rentabilidade, no Brasil. Em um ano. Agora, no mês de janeiro, os bancos que operam no Brasil, nacionais ou estrangeiros, grandes ou pequenos, obtiveram resultados que, possivelmente, nunca ocorreram em lugar nenhum do mundo. Houve lucros de 100%, ou 200%, ou 300%, isto é, esses bancos duplicaram, triplicaram ou multiplicaram por quatro o seu patrimônio líquido. Em um mês. No total, 181 bancos lucraram R$ 3,3 bilhões. Em um mês. Praticamente o dobro dos lucros que eles registraram em 1998, de R$ 1,8 bilhão. Em um ano.
De onde vieram esses lucros? Explica-se, superficialmente, que os bancos tinham aplicado seus recursos em "operações com o dólar" e por isso ganharam rios de dinheiro com a desvalorização do real.
O que são essas operações com o dólar? Há dois tipos principais, ambos à custa do Tesouro, isto é, de toda a sociedade brasileira: venda de títulos da União e do Banco Central, com correção cambial (isto é, valor reajustado pelo dólar) e venda de (contratos de) dólar, nas Bolsas de futuros, a preços baixos, como tentativa de evitar a queda do real, realizada pelo mesmo Banco Central por meio de "laranjas".
Quanto o Banco Central teve de prejuízo com essas vendas de dólar "barato"? As quatro últimas linhas de uma notícia publicada por jornais na última semana revelaram o dado oficial: os prejuízos chegaram a R$ 8 bilhões. Só em janeiro. Uma grande parcela desses R$ 8 bilhões alimentou, é óbvio, o lucro dos bancos, de R$ 3,3 bilhões. E o restante? Transformou-se em lucro também para os grupos empresariais, nacionais e estrangeiros, que também "aplicaram em dólares".

O preço da "farra"
Lucros, por mais alucinados que sejam, nada têm de imoral em si, dentro das regras capitalistas. Mas, no caso brasileiro, há um aspecto que não parece ter sido suficientemente avaliado pela sociedade: classe média, povão, empresários, agricultores. Todos esses lucros, em última análise, são apenas o outro lado da medalha, do chamado "rombo" do Tesouro, isto é, esses lucros ampliam a crise, atrasam qualquer perspectiva de abrandamento da crise econômica, prolongam a recessão e consequentemente o desemprego e a ameaça de quebra de milhares de empresas.
E há pontos misteriosos nesses lucros, que a opinião pública certamente gostaria que o Congresso investigasse, em busca de uma resposta. A principal explicação para os lucros de 100%, 200%, 300% dos bancos é extremamente simplista: repete-se que os ganhos vieram da desvalorização de 40% do real, em janeiro.
Algumas continhas simples mostram aspectos intrigantes dessa lucratividade: suponha-se que um banco A, com um patrimônio de 100, tenha tido um lucro de 300, aplicando em dólar. Quanto ele precisaria aplicar, para ganhar esses 300%? Se a desvalorização foi de 40%, isto é, o lucro foi de 40%, seria preciso o banco aplicar 750, para ganhar esses 300. Isto é, ele precisaria aplicar 7,5 vezes o patrimônio líquido. Vale dizer: os bancos precisaram "pegar" dinheiro emprestado, a juros baixíssimos, para ainda conseguir os 40% de ganho. Quem forneceu esse dinheiro, se no mês de janeiro os financiamentos externos ao Brasil continuavam suspensos e a saída de dólares prosseguia?

Sem manchete
Também na semana passada, o Banco Central divulgou um dado impressionante, que, estranhamente, somente foi publicado por um único jornal e, ainda assim, em um modesto pé de página interna. Diz o Banco Central -e não são as "esquerdas", não -que os bancos brasileiros aplicaram, para eles ou seus clientes, nada menos de US$ 35 bilhões no paraíso fiscal das Ilhas Cayman. E têm mais US$ 10 bilhões aplicados em dois outros paraísos fiscais, as Bahamas e o Panamá. São US$ 45 bilhões que "fugiram" para o exterior, aplicados por brasileiros, empresas ou pessoas físicas, dando origem à política de juros altos, quebra do Tesouro, crise da economia, derrocada do real. Tudo sob as barbas ou com o beneplácito do Banco Central e do Ministério da Fazenda.
Decididamente, não há nenhuma explicação lógica para a pretensa política econômica adotada no país nos últimos anos e, principalmente, nos últimos meses. Ou há? Uma política que agora eleva novamente as taxas de juro para 45%, a pretexto de "esfriar" a economia para combater a "volta da inflação", apesar de todas as estatísticas mostrarem que a economia já está "gelada"? Por que os juros altos? Quem ganha?

Lembrete ao Congresso
No final do ano, os banqueiros estrangeiros anunciaram insistentemente que, junto com o "pacote" do FMI, haveria um "pacote" também dos bancos privados, de US$ 15 bilhões, para apoiar o Brasil. Os dólares não vieram. Ao contrário. Os bancos internacionais não renovaram os empréstimos, que iam vencendo, exigindo a remessa de dólares para seus países. Essa "fuga" intensificou a queda do real, que todos os analistas afirmam ter sido exagerada. E, curiosamente, os bancos internacionais -que não trouxeram os dólares- tinham grandes fortunas aplicadas em negócios com dólar, lucrando esses horrores com a desvalorização exagerada.
Se isso não é manobra especulativa para afundar exageradamente o real e encurralar o Brasil, que nome ela merece?


Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. Escreve aos sábados no caderno Dinheiro.


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