São Paulo, Sábado, 06 de Março de 1999
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CRIAÇÃO & CONSUMO

Filtro 100 ou sem filtro?

MARCELO PIRES

Que filtro você usa? Fator 4? 8? 15? 30?
Calma, o assunto deste texto não é filtro solar. Está claro que o caderno de economia da Folha não é o espaço mais apropriado para dicas de saúde e beleza. O assunto são os filtros que a gente usa para se expor à vida.
Num fim-de-semana desses, sentado à beira-mar, todo lambuzado de fator 15, me dei conta de que é possível identificar pessoas pelo filtro que elas adotam para enfrentar o mundo. Percebi, por exemplo, que o tímido usa uma espécie de filtro 30 com relação à vida. Em certos casos, dá até pra sentir a camada de "Hipoglós existencial" em torno do sujeito. Já os chatos não usam filtro. Pelo contrário: devem usar um óleo de urucum comportamental que, em vez de bronzear, mancha a reputação.
A inveja é um filtro 100. O detalhe é que o invejoso usa filtro para diminuir o bronzeado dos outros. A avareza, por sua vez, é um filtro desagradabilíssimo, daqueles que a pele não absorve com facilidade, deixando o sujeito escorregadio. A ira é um filtro que o sujeito põe e imediatamente fica irritado. E a cobiça é um bronzeador que já vem com filtro. Na hora de levar vantagem, age o bronzeador; na hora de pensar nos outros, age o filtro.
Continuei filosofando debaixo do guarda-sol: tem gente que supervaloriza a melanina, dispensando o uso de filtros solares. Da mesma forma, tem gente que supervaloriza a inteligência, dispensando o uso de filtros sociais. Gente assim acaba queimada. E envelhece precocemente. É impossível não se enrugar todo se você enfrentar sem proteção qualquer eventualidade.
Assim como os raios, existem momentos infravermelhos e momentos ultravioleta. Como saber o que é nocivo à sensibilidade?
Para um leitor de cadernos de economia, devem ser as reuniões intermináveis, por exemplo. Ou as convenções de venda. Ou os seminários de marketing. Ou as apresentações de pesquisas. Ou os pronunciamentos da equipe econômica do governo. Ou, com certeza, os drinques de negócios. O acúmulo progressivo de drinques de negócios, está provado, dá câncer. Tanto que um fim de noite em barzinho vazio deve ser tão evitado quanto o meio-dia em praia lotada.
Burrice é outro fator decisivo na absorção das radiações da vida. Para uma pessoa de pele clara, dez minutos ao sol sem protetor têm o mesmo efeito que cinco horas ao sol com filtro 30. Fazendo um paralelo, dez minutinhos para um cara inteligente podem ser tão marcantes quanto cinco horas para um sujeito menos favorecido. Soa presunçoso falar assim -mas, convenhamos, certas pessoas dão a impressão de ter um filtro em torno de si, um "lifedown" que rechaça emoções e evita boas idéias.
Ainda bem que existem os hidratantes da alma. São os "Caladris" do humor. À noite, quando a sensação de ardor é muito acentuada, resultado da exposição exagerada a estes dias infernais, as boas companhias garantem uma agradável sensação de maciez e suavidade.
Voltamos, então, às questões iniciais deste texto: que filtro você usa? Fator 4? 8? 15? 30? Ou faz tempo que você nem pega uma vidinha nesse corpo?


Marcelo Pires é diretor de criação da W/Brasil.


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