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ANÁLISE
Tratado quer tirar poder das Nações Unidas
RONALDO LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA
PEDRO MIZUKAMI
ESPECIAL PARA A FOLHA
O Acta (acordo comercial antipirataria, na sigla em inglês) é
um tratado negociado em segredo. Por mais de dois anos
seu texto permaneceu oculto,
situação revertida com a recente publicação de versão preliminar. Tanto a opacidade das
negociações (conduzidas por
EUA, Japão, União Europeia e
mais oito países) como o texto
da proposta vêm sendo duramente criticados.
O objetivo do Acta é a questão do "enforcement" (expressão vertida para o português
como "observância") dos direitos de propriedade intelectual.
Como justificativa para as
negociações, diz-se que diante
dos avanços da pirataria e da
contrafação seriam necessárias
normas mais robustas para assegurar a cooperação entre os
países, impor sanções civis e
criminais e criar mecanismos
para eliminar o compartilhamento de arquivos na internet.
Evidentemente, não se trata
aqui de questões novas. Esses
temas são abordados há anos
pela Ompi (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), órgão da ONU com atribuição da comunidade internacional para tratar da matéria.
Também pela OMC (Organização Mundial do Comércio),
que dispõe de normas detalhadas sobre observância da propriedade intelectual, permitindo até a imposição de sanções
comerciais contra os países em
descumprimento (como ilustra
a disputa entre Brasil e os EUA
envolvendo o algodão).
A pergunta que se impõe é:
por que então criar um terceiro
fórum para tratar da propriedade intelectual no plano internacional? O Acta prevê em seu
texto atual o estabelecimento
de uma nova instituição, em
paralelo às atuais, para tratar
da matéria de forma autônoma.
O que surpreende não é a estratégia de esvaziamento dos
fóruns já existentes, em que a
presença da comunidade internacional é historicamente consolidada. É a clareza com que
surge essa tentativa, que se traduz no fato de que os grandes
países-alvo do acordo (como
Índia, Rússia, China e Brasil),
inseridos com frequência nas
listas de "países piratas" elaboradas unilateralmente por países desenvolvidos, não façam
parte das negociações.
Ainda que seja pouco provável que o Acta venha a receber
adesão maciça de outros países,
o acordo serve desde logo de
instrumento de pressão, tanto
comercial quanto para a adoção
de legislação que não corresponde aos interesses locais. O
que justifica, no mínimo, que
tenha mais transparência.
PEDRO MIZUKAMI é coordenador
do projeto Game Studies do CTS-FGV.
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