São Paulo, quinta-feira, 06 de maio de 2010

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ANÁLISE

Tratado quer tirar poder das Nações Unidas

RONALDO LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA

PEDRO MIZUKAMI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Acta (acordo comercial antipirataria, na sigla em inglês) é um tratado negociado em segredo. Por mais de dois anos seu texto permaneceu oculto, situação revertida com a recente publicação de versão preliminar. Tanto a opacidade das negociações (conduzidas por EUA, Japão, União Europeia e mais oito países) como o texto da proposta vêm sendo duramente criticados.
O objetivo do Acta é a questão do "enforcement" (expressão vertida para o português como "observância") dos direitos de propriedade intelectual.
Como justificativa para as negociações, diz-se que diante dos avanços da pirataria e da contrafação seriam necessárias normas mais robustas para assegurar a cooperação entre os países, impor sanções civis e criminais e criar mecanismos para eliminar o compartilhamento de arquivos na internet.
Evidentemente, não se trata aqui de questões novas. Esses temas são abordados há anos pela Ompi (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), órgão da ONU com atribuição da comunidade internacional para tratar da matéria.
Também pela OMC (Organização Mundial do Comércio), que dispõe de normas detalhadas sobre observância da propriedade intelectual, permitindo até a imposição de sanções comerciais contra os países em descumprimento (como ilustra a disputa entre Brasil e os EUA envolvendo o algodão).
A pergunta que se impõe é: por que então criar um terceiro fórum para tratar da propriedade intelectual no plano internacional? O Acta prevê em seu texto atual o estabelecimento de uma nova instituição, em paralelo às atuais, para tratar da matéria de forma autônoma.
O que surpreende não é a estratégia de esvaziamento dos fóruns já existentes, em que a presença da comunidade internacional é historicamente consolidada. É a clareza com que surge essa tentativa, que se traduz no fato de que os grandes países-alvo do acordo (como Índia, Rússia, China e Brasil), inseridos com frequência nas listas de "países piratas" elaboradas unilateralmente por países desenvolvidos, não façam parte das negociações.
Ainda que seja pouco provável que o Acta venha a receber adesão maciça de outros países, o acordo serve desde logo de instrumento de pressão, tanto comercial quanto para a adoção de legislação que não corresponde aos interesses locais. O que justifica, no mínimo, que tenha mais transparência.


PEDRO MIZUKAMI é coordenador do projeto Game Studies do CTS-FGV.


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