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Com o acordo, até produto legítimo pode ser apreendido
Isso poderá ocorrer durante o trânsito de cargas se um país fizer valer suas regras
Para especialistas, acordo deve definir com clareza a possibilidade de apreensão de produtos legítimos em trânsito por algum país
DE GENEBRA
DE WASHINGTON
O texto recém-divulgado do
Acta ainda está repleto de indefinições entre colchetes, o que
dificulta saber o que de fato entrará na versão final. Nova reunião está programada para Genebra no final de junho, e o cronograma foi acelerado para
buscar uma conclusão até o fim
deste ano.
Até por isso nenhum dos
centros de estudo consultados
pela Folha, e tampouco os diplomatas, faz uma estimativa
de qual poderia ser o impacto
econômico do acordo.
Por ora, duas provisões têm
arregalado os olhos dos especialistas. Uma diz respeito a
baixar conteúdo da internet.
O texto em circulação prevê
responsabilizar os provedores
por vigiar o acesso de todos os
usuários e repassar dados aos
comitês de monitoramento
que seriam criados com o acordo, o que os críticos veem como
violação de privacidade.
A Justiça então notificaria o
usuário. Com três infrações, o
provedor seria obrigado a banir
o internauta da rede.
"[O acordo] não tem nada
prevendo expandir o acesso
aos produtos culturais, mas
tem provisões para que os países tirem alguém da internet",
diz Sean Flynn, do Programa
de Justiça da Informação e
Propriedade Intelectual, aludindo ao fato de muitos internautas que querem pagar por
conteúdo são impedidos por
regras de distribuição regional.
O outro ponto de atenção é o
controle de fronteiras, especialmente no caso dos genéricos. A versão vazada prevê
maior policiamento e faz valer
as regras do país em trânsito.
Isso significa que se o Brasil
compra uma carga de genéricos da Índia e o navio para na
Holanda para fazer manutenção, Amsterdã pode apreender
a carga. É exatamente o episódio que ocorreu no ano passado, avalizado pela legislação da
UE -que agora será expandida
aos outros dez signatários.
"Nossa preocupação é que o
Acta cristalize essa posição de
apreensão de produtos de comércio legítimo, o genérico, e
confunda com medicamento
falso", diz Renata Reis, coordenadora do Grupo de Trabalho
sobre Propriedade Intelectual,
no Rio de Janeiro.
Segundo diplomatas, um caso assim pode ser levado à
OMC. Mas especialistas temem que a dubiedade de fóruns, mesmo que a OMC pese
mais por ora, trave o processo.
Pela estimativa mais recente
da OCDE (o clube multilateral
que congrega 31 países ricos),
desde 2007 a pirataria causa
prejuízo acima de US$ 250 bilhões ao ano e responde por
quase 2% do comércio mundial, uma trajetória de alta contínua desde o início da década.
Os países envolvidos na negociação, capitaneados pelos
EUA, argumentam que a OMC
e a Ompi não são duras o bastante no combate à produção e
à distribuição de produtos falsificados (comerciais ou não).
"A questão aí é o "forte o bastante'", disse à Folha uma fonte familiarizada com a discussão na OMC. "Os Trips lidam
com copyright, propriedade intelectual em geral e acesso ao
conhecimento, tanto do ponto
de vista da proteção como do
acesso, e permitem flexibilidade aos membros."
Para o embaixador Rubens
Ricupero, ex-secretário geral
do Unctad (braço da ONU para
comércio e desenvolvimento),
o contexto geopolítico hoje deve dificultar o avanço do acordo. Ele lembra de uma situação
semelhante com o Acordo
Multilateral de Investimentos,
que acabou naufragando no
meio dos anos 90 ante a falta de
consenso dos participantes.
"Isso [impor o Acta a outros
países] só seria possível com
uma correlação de forças mais
favorável a eles [países desenvolvidos]. No passado, os Trips
catalisaram a oposição à OMC.
Acho que um acordo como esse
hoje provocaria reação ainda
mais virulenta."
(LC e AM)
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