São Paulo, quinta-feira, 06 de maio de 2010

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Calçado chinês dribla taxa e entra no Brasil

Tarifa antidumping de US$ 13,85 é aplicada em cada par chinês, mas produto é importado como "made in Malásia"

Associações de calçadistas brasileiros acusam China de fraudar política comercial e usar países-laranjas; chineses ainda dominam importações
GRAZIELLE SCHNEIDER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

LEONARDO LÉLLIS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA RIBEIRÃO

Em 2010, as exportações de calçados da China para o Brasil caíram mais de 60% em relação a 2009. Já a Malásia, que não enviou nenhum par ao país no ano passado, vendeu mais de 1,5 milhão só nos três primeiros meses deste ano.
Essa é uma das evidências, segundo empresários e entidades do setor calçadista, de que a China está cometendo uma fraude ao embarcar produtos para o Brasil como se fossem de outros países -prática conhecida por elisão.
O objetivo é burlar a tarifa antidumping estabelecida pelo governo brasileiro em março, que sobretaxa o produto chinês em US$ 13,85 por par (cerca de R$ 25) e que valerá pelos próximos cinco anos.
A fraude seria caracterizada pela alteração dos documentos que atestam a origem do produto. Um sapato fabricado na China, por exemplo, teria a sua documentação modificada na Malásia para esconder a sua origem e embarcaria para o Brasil como um produto malaio, livre da sobretaxa.
Para a Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados) e o Sindifranca (Sindicato da Indústria de Calçados de Franca), as evidências estatísticas são a principal prova da manobra fiscal.
Desde que os calçados chineses foram sobretaxados em setembro de 2009, as exportações do país para o Brasil caíram drasticamente, enquanto as do Vietnã e da Malásia subiram de maneira anormal -os embarques do Vietnã subiram mais de 26%.
Milton Cardoso, presidente da Abicalçados, afirmou que o processo que resultou na medida antidumping teve 40 mil páginas e levou um ano e três meses para ser concluído.
"Nós entendemos que deveria haver um avanço na legislação que permitisse a aplicação mais rápida de uma medida, porque se levar mais um ano e meio de processo, só teríamos resultado após dois anos", disse.
Outra prova da fraude, segundo ele, são as ofertas feitas por intermediárias no exterior a companhias brasileiras. "Elas mandaram e-mails explicando como evitar o antidumping e se oferecendo para "cuidar disso" [da fraude] para as empresas. Mais de dez empresas receberam esse e-mail", afirmou.
O diretor-executivo da Abicalçados, Heitor Klein, defende o rastreamento das vendas. "É preciso rastrear as importações e tentar investigar algum desvio de conduta", disse.
Para o presidente do Sindifranca, José Carlos Brigagão do Couto, a prática "compromete a sobrevivência do setor calçadista brasileiro".

Cúmplices locais
Já Welber Barral, secretário de Comércio Exterior do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, diz que o esquema não aconteceria se não houvesse empresas brasileiras participando.
O vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro, concorda. "Assim como a China está vendendo, alguém aqui está comprando", disse Castro.
Apesar de ainda liderar o mercado de importações -com 4 milhões de pares vendidos ao Brasil até março-, a China reduziu a sua participação no volume que chega ao país neste ano. O país foi responsável por 47% do total de sapatos que chegaram ao Brasil -no primeiro trimestre de 2009, a participação chinesa foi de 82%.
O presidente da Câmara de Comércio Brasil-China, Charles Tang, afirmou que a entidade não tem conhecimento de que a elisão esteja ocorrendo no setor calçadista. "O empresário brasileiro, em vez de se preocupar tanto em ter medo dos chineses, poderia se concentrar mais em ganhar dinheiro com a China", disse ele, ao destacar o país como um mercado em potencial para os calçados brasileiros.
As embaixadas da China e da Malásia foram procuradas para comentar o assunto. Ambas pediram o envio de questões por e-mail, mas não houve resposta até o fechamento da edição.


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