São Paulo, quinta-feira, 06 de maio de 2010

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Grécia, Europa e Brasil


O Brasil está bem, vai até emprestar dinheiro à Grécia, via FMI; mas não podemos depender de crédito externo

EM GERAL , o leitor brasileiro tem interesse relativamente baixo por assuntos internacionais. Não somos cosmopolitas -e ainda bem! Como dizia o grande Euclides da Cunha, "o cosmopolitismo é o regime colonial do espírito".
Quando ocorre alguma confusão no exterior, a primeira pergunta do brasileiro tende a ser: como fica o Brasil? Portanto, vou direto ao ponto: que lições encerram para nós a crise da Grécia e a crise mais ampla da Europa e da zona do euro?
Primeira e provavelmente mais importante: não se pode confiar nos mercados financeiros nem depender muito de financiamento externo. A turma da bufunfa é a versão financeira e "high-tech" de Átila e seus hunos. Átila ficou conhecido como o "flagelo de Deus". O líder da bufunfa, o sr. Lloyd Blankfein, presidente do Goldman Sachs, faz o "trabalho de Deus", segundo ele mesmo declarou no final do ano passado.
Em termos práticos, não confiar nos mercados financeiros e nos credores internacionais implica, entre outras coisas: a) manter as contas públicas sob estrito controle (deficit fiscais expressivos só são admissíveis em momentos de recessão); b) administrar com cuidado as contas externas do país (deficit em conta-corrente só em níveis modestos e em períodos de crescimento econômico e ampliação dos investimentos produtivos); c) controlar o perfil da dívida pública e da dívida externa, limitando o endividamento de curto prazo e evitando a concentração de vencimentos do principal em determinados períodos do tempo; d) manter reservas internacionais elevadas; e) preservar a competitividade internacional da economia.
A Grécia é um caso extremo, pois fez quase tudo errado. Como não tem moeda própria, a sua margem de manobra é muito estreita. Mas a verdade é que a Europa como um todo se meteu numa tremenda enrascada. As economias de outros países desenvolvidos, inclusive os EUA, também apresentam problemas graves, mas a região mais vulnerável é claramente a Europa -a Europa desenvolvida e a Europa emergente.
A crise que começou com os excessos especulativos nos mercados financeiros desregulamentados dos EUA e da Europa transmutou-se, numa segunda fase, em crise do setor real da economia em escala mundial. Na terceira fase, a que estamos vivendo agora, ameaça converter-se em crise fiscal ou crise de dívidas soberanas nos países avançados.
A dinâmica que leva a essas situações é velha conhecida nossa aqui na América Latina. Nessa matéria, modéstia à parte, poderíamos até exportar know-how para os europeus, que há muito tempo não experimentavam uma crise regional de tal dimensão. Durante alguns anos, os mercados financeiros dão corda para os deficitários e os perdulários, desde que estes aparentem alguma respeitabilidade. Os deficit e as dívidas vão se acumulando; os credores vão faturando alegremente até que um dia a ficha cai. Ocorre um choque qualquer e o financiamento sofre uma parada abrupta.
No caso da Grécia, o choque parece ter sido produzido pela divulgação de que o governo passado vinha praticando (aliás, ao que parece, com alguma ajuda do próprio Goldman Sachs) uma gigantesca manipulação das estatísticas fiscais. O leitor se lembra do ministro Delfim Netto e de suas sete cartas de intenção ao FMI? Pois, perto do governo passado da Grécia, o ex-ministro Delfim ganha ares de coroinha!
O Brasil está bem. Vai até emprestar dinheiro à Grécia, via FMI. Mas temos que tomar todos os cuidados para preservar e fortalecer as nossas defesas contra o sr. Blankfein e suas hordas selvagens.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 55, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.

pnbjr@attglobal.net


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