São Paulo, domingo, 06 de junho de 2004

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SEMENTES DA DISCÓRDIA

Produtor não aproveitou momento ideal de vender e ganho com exportação deve cair em relação ao previsto

Sojicultor e balança perdem com veto chinês

MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

A recusa da soja brasileira pelos chineses provoca perdas não só para as empresas exportadoras, proibidas de vender para aquele país, mas também para produtores e para a balança comercial.
Os produtores perdem porque estão com a comercialização atrasada e deixaram de vender em março e abril, quando a soja superou os US$ 10 por bushel (27,2 quilos) na Bolsa de Chicago. Perde também a balança comercial do país, porque as exportações efetuadas até abril, quando os preços ainda estavam elevados no mercado externo, atingiam apenas 19% das previstas para o ano.
"Demanda externa existe, mas não existe para soja a US$ 9 por bushel", diz Anderson Galvão, da Céleres, de Uberlândia (MG). "O que a China faz atualmente é adotar uma estratégia de mercado. Ela precisa da soja, mas a quer com preços menores."
Para ele, o Brasil vai vender a soja que tem, mas por preços inferiores. A recusa da China, a saída dos fundos de investimento do mercado de soja (foram para petróleo) e as perspectivas de uma boa safra nos EUA reduziram os preços. E, quanto mais o Brasil atrasar a venda do produto, mais será pressionado pela safra norte-americana, que chega ao mercado a partir de outubro.
Galvão diz que parte dos produtores perdeu o tempo ideal de venda. Os relatórios de acompanhamento de vendas da Céleres indicam que 42% dos produtores venderam a soja abaixo de US$ 8 por bushel.
Quando o produto ficou entre US$ 8 e US$ 10, apenas 14% dos produtores foram ao mercado para vender. Outros 10% entraram no mercado quando o produto já caía de US$ 10 para US$ 8. Ainda resta um terço da soja para ser comercializada, e os preços podem não ser muito atraentes, segundo o analista da Céleres.
O preço interno também não vai favorecer os produtores. Após ter atingido R$ 52 por saca há algumas semanas, a soja já é comercializada abaixo de R$ 40.
Essa queda dos preços provoca, ainda, uma perda de receita com as exportações do chamado complexo soja -soja em grão, farelo e óleo de soja. Os cálculos iniciais da Céleres eram de receitas de US$ 12 bilhões neste ano. Agora, Galvão diz que as receitas devem recuar para US$ 10,3 bilhões.
As estimativas iniciais de exportações de soja pelo Brasil eram de 22 milhões de toneladas. Até abril, apenas 19% desse volume tinha deixado os portos brasileiros.
As estimativas atuais já indicam volumes entre 20 milhões e 22 milhões de toneladas. Essa perda ocorre devido à quebra da safra, que, estimada inicialmente em 60 milhões de toneladas, deverá recuar para 50 milhões.

Efeito EUA
O mercado de soja passará por uma gangorra nos próximos meses, e o clima será fator determinante de preços. A safra dos EUA começou muito bem. O plantio está acelerado, mas na semana passada a lavoura viveu os primeiros momentos de incerteza. Excesso de chuvas nos dois principais Estados produtores (Iowa e Illinois) fizeram os preços subir.
Essa indefinição de produção nos EUA deve continuar até agosto, quando se aproxima a colheita da safra. Uma nova quebra na safra dos EUA pode dar sustentação aos preços, já que a relação estoque-consumo é uma das menores das últimas décadas. Uma "safra cheia", próxima de 80 milhões de toneladas, vai derrubar ainda mais os preços.

Renegociação
O cenário atual é francamente favorável à renegociação de preços pelos chineses, diz Galvão. Há um mês, a soja brasileira chegava aos portos da China a quase US$ 400 por tonelada. Em outubro, com a entrada da safra norte-americana, os chineses vão conseguir colocar soja abaixo de US$ 300 por tonelada em seus portos.
Essa possibilidade de ter um produto mais barato nos próximos meses gera mais exigências por parte dos chineses, diz Galvão. A própria indústria chinesa quer regular a oferta de produto no mercado interno para não derrubar ainda mais os preços. Uma queda maior inviabiliza as margens de ganho dessas indústrias.
Para o mercado brasileiro, uma estratégia para derrubar mais os preços externos e enfraquecer o poder das grandes exportadoras que atuam no Brasil foi incluir várias "tradings" na lista das que não podem vender à China.
Uma das envolvidas, e que não quis se identificar, diz que é "tudo muito estranho". A empresa está na lista das proibidas de exportar, mas oficialmente não recebeu comunicado nem do governo chinês nem do brasileiro.


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