|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Uma porta estreita
RUBENS RICUPERO
Tamanho apenas não é documento no comércio internacional. O que conta é a participação no valor agregado das exportações de manufaturas. Há países
que aumentaram muito as vendas
externas de produtos industriais,
às vezes até com elevado conteúdo
tecnológico. No entanto, se essas
mercadorias são meramente o fruto de linha de montagem de componentes importados, o benefício
local se limita quase ao salário de
mão-de-obra mal paga. É o caso
das maquiladoras, no México ou
outras nações, que começam maciçamente a transferir empregos
para a China, onde o custo do trabalho é ao menos três vezes menor.
Em 2003, a porcentagem dos
países em desenvolvimento no comércio mundial alcançou 32%.
Quase um terço desse total, mais
de 70%, foram de manufaturas.
Quando se olha o valor agregado,
contudo, o que se constata é que
pouquíssimos, menos talvez que os
dedos das mãos, foram os capazes
de aumentar significativamente a
participação no valor adicionado
das manufaturas: Coréia do Sul,
Taiwan, Cingapura, um ou outro
mais. Não é coincidência que fossem também os únicos que conseguiram estreitar, em termos de
renda per capita, a distância em
relação às economias ricas. Em
outras palavras: a fim de que o comércio conduza, de fato, ao desenvolvimento pleno, àquilo que o ex-primeiro-ministro de Cingapura
descreveu como "a passagem do
Terceiro Mundo para o Primeiro
Mundo em uma só geração", é
preciso que esse comércio envolva
mercadorias de alto valor agregado.
Se esses ocupam o topo, lá no degrau inferior da escada vamos encontrar os 38 países dependentes
de apenas um produto primário
para mais da metade de suas exportações (em 1953, o último ano
da Guerra da Coréia, o café representou 73% da receita de exportações do Brasil). Se a dependência
sobe a dois produtos, o número de
países aumenta para 48. O pior é
quando esse(s) produto(s) passa(m) a ser marginalizado(s) do
comércio, devido à demanda estagnada ou à queda de preços. O
algodão, por exemplo, era, no início dos ano 70, 4% do valor do comércio agrícola mundial, nível
que caiu a 2% no fim dos anos 90.
Todavia, para 24 nações pobres, o
algodão figura entre as três principais exportações agrícolas e é a
primeira para 11, correspondendo
a 67% das vendas do Benin e 57%
das de Burkina Faso.
Embora não esteja ainda chegando ao topo, o Brasil já percorreu, desde 1953, mais da metade
do caminho. Considerando o período de dez anos entre 1993 e
2003, 26 itens da pauta exportadora brasileira excederam a média
de crescimento de 30% por ano.
Duas categorias de manufaturados de elevado grau de intensidade tecnológica estiveram entre as
maiores exportações brasileiras:
aviões e equipamentos de telecomunicação. As aeronaves da Embraer representaram 0,7% das exportações nacionais em 1993, nível
que saltou para 3% em 2003 (foram o primeiro item em 2001 e o
segundo em 2002). Os equipamentos de telecomunicação cresceram
de 0,15%, em 1993, para perto de
2%, em 2003.
Não tenho infelizmente dados
sobre qual foi o valor adicionado
no Brasil a esses produtos e não sei
se são disponíveis. Suspeito que o
valor dos insumos importados seja
relativamente alto e ficaria feliz se
estivesse abaixo de 50%. De qualquer modo, já é alguma coisa, sobretudo quando se pensa que cerca de 58% do que exportamos cai,
a rigor, dentro da categoria de
produtos primários, 12% são manufaturas intensivas em mão-de-obra ou recursos naturais, 17%
pertencem à classe de manufaturas de baixa intensidade tecnológica e 5% à de nível médio.
Além do valor agregado, outro
aspecto qualitativo do comércio
internacional é o dinamismo, isto
é, a velocidade com que aumenta
a venda de um determinado produto, comparada à média geral.
Entre 1990 e 2002, a média da expansão das exportações mundiais
foi de 6,3% por ano. Na rabeira do
pelotão, ficaram as commodities,
que só cresceram a 3%. Na vanguarda, as exportações de eletroeletrônicos, que aumentaram a
mais do que o dobro da média.
Entre as mais dinâmicas exportações brasileiras estão o petróleo,
equipamentos de telecomunicações, carne bovina, aeronaves, o
nosso vetusto café, sementes oleaginosas, automóveis, celulose, couro.
Os leitores ficarão talvez surpresos de saber que o Brasil virou exportador de petróleo de certa importância. O bruto estava quase
ausente das vendas externas em
1993, mas já atingia 3% do total
em 2003, crescendo exponencialmente ao longo desses dez anos. Os
equipamentos de telecomunicação vêm se expandindo a quase
40% por ano, e os aviões, a mais de
20%.
Todas essas enfadonhas cifras e
porcentagens eram necessárias
para explicar por que a conferência da Unctad em São Paulo, entre
os dias 14 e 18, tentará indicar o
caminho para assegurar que o comércio acarrete benefícios reais
em termos de desenvolvimento.
Mais do que das negociações, isso
depende sobretudo da qualidade e
da diversificação da oferta. Já a
partir de amanhã, realizaremos
no Rio de Janeiro, na abertura da
Semana do Comércio Exterior do
Rio, um simpósio sobre a competitividade no comércio de produtos
dinâmicos. Será no auditório do
BNDES, em conjunto com o banco, a Camex, os ministérios do Desenvolvimento e da Agricultura, a
Fundação Getúlio Vargas, com a
primeira apresentação a cargo do
presidente da Embraer, Maurício
Botelho.
No decurso do dia, se discutirá o
desempenho de alguns setores selecionados. Começaremos pela
agricultura (carne de frango, frutas e sucos, algodão), seguindo-se
madeiras e móveis, eletrônicos,
serviços de informática e telecomunicações, bem como as questões ligadas à tecnologia e ao investimento, promoção de exportações, a criação das condições institucionais favoráveis etc. Esse será
um dos dez eventos previstos para
o Rio de Janeiro e dos mais de 50
incluídos na programação da
Unctad em São Paulo.
A partir do estudo do caso brasileiro, a Unctad tenciona examinar
como os países em desenvolvimento estão se saindo em cada um dos
novos e dinâmicos setores do comércio mundial e o que se poderia
fazer a fim de ajudá-los a melhorar o desempenho. Também no
comércio qualitativo, pode-se dizer sem exagero que muito são
chamados e poucos são os escolhidos, porque a porta é estreita demais. O propósito, em última análise, é alargá-la para que o desenvolvimento deixe de ser um sonho
sempre adiado.
Rubens Ricupero, 67, é secretário-geral
da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento),
mas expressa seus pontos de vista em
caráter pessoal. Foi ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco).
Texto Anterior: Crise no ar: United diz que não sairá da concordata já Próximo Texto: Lições Contemporâneas - Luiz Gonzaga Belluzzo: Um novo paradigma em economia monetária? Índice
|