|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Um novo paradigma em economia monetária?
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
A tese central do novo livro
de Joseph Stiglitz, "Rumo a
um Novo Paradigma em Economia Monetária" (a ser publicado
em português pela editora W11, selo Francis), defende o ponto de vista de que a abordagem tradicional
da teoria monetária, baseada na
demanda de moeda por transações, é incorreta: "Ela não oferece
uma explicação convincente do
como e por que o dinheiro é importante". Para Stiglitz, a compreensão do funcionamento de
uma economia monetária exige a
análise das forças que determinam a demanda e a oferta de crédito e envolve, portanto, o entendimento do papel dos bancos.
A economia monetária competitiva tal como a concebe Stiglitz supõe a existência de agentes especializados na avaliação da qualidade dos títulos de dívida e, portanto, na investigação a respeito
dos riscos de não-pagamento por
parte dos que se candidatam ao
crédito. Os bancos são instituições
especializadas na produção de informações sobre os devedores e no
monitoramento de suas intenções
de cumprir ou envidar esforços para cumprir a promessa de pagamento. Nesse sentido, a existência
dos bancos e do crédito pressupõe
imediatamente a possibilidade do
"default" e da falência do devedor,
elementos que devem ser incorporados à avaliação dos riscos enfrentados pelos provedores de empréstimos.
Os neo-keynesianos, como Stiglitz, privilegiam a informação assimétrica em mercados de crédito.
Para tais autores, os mercados financeiros têm características distintas dos mercados onde são
transacionadas as mercadorias
profanas. A assimetria de informação é inerente à relação credor-devedor: o bem transacionado
não é um valor real disponível,
mas uma promessa, o que dificulta aos contratantes avaliar adequadamente as condições e as intenções do outro protagonista.
Haverá seleção adversa quando o
credor -incapaz de avaliar corretamente o risco de concessão dos
empréstimos- discriminar os
bons devedores potenciais, elevando o custo do crédito. O risco moral é fruto da incapacidade do
prestamista de supervisionar corretamente o uso do crédito por
parte do devedor, que pode estar
empenhado em aplicar o dinheiro
em operações de maior risco.
Tais problemas "informacionais" determinam um funcionamento peculiar dos mercados de
crédito. A teoria convencional ensina que um aumento excessivo
na demanda de crédito deve provocar uma elevação da taxa de juros dos empréstimos de modo a
"reequilibrar" oferta e demanda.
No entanto os bancos podem considerar a nova taxa de juros incompatível com a maximização
do retorno esperado sobre os empréstimos totais. Isso porque, a
partir de um certo nível, a subida
dos juros aumenta o risco de inadimplência dos tomadores. "O
banco", afirma Stiglitz, "recusaria
um cliente que oferece uma taxa
de juros mais elevada imaginando
que o risco de não-pagamento seja
maior. O retorno esperado sobre
esse empréstimo seria mais baixo
do que aquele observado nos empréstimos em vigor" (com taxas de
juros menores).
Esses fenômenos, constitutivos
dos mercados de crédito, decorrem
de falhas de coordenação dos mercados. Falhas de mercado, na linguagem técnica, dizem respeito a
déficits no abastecimento de informações aos agentes envolvidos numa transação. No exemplo acima,
o déficit informacional impede
que os juros equilibrem a demanda e a oferta de fundos e dá origem
ao racionamento de crédito por
parte dos bancos, como forma de
maximizar o retorno esperado sobre a carteira de empréstimos.
Os bancos comerciais são, ademais, instituições singulares: responsáveis pela criação de moeda,
dispõem da faculdade de aumentar o poder de compra, até então
inexistente, aos proprietários de
riqueza, a partir da avaliação dos
riscos de crédito. Os bancos não
são simples intermediários financeiros, mas detêm a prerrogativa
de conceder empréstimos que excedem o valor de seus depósitos. A
capacidade dos bancos, em conjunto, de expandir o crédito e, portanto, de criar depósitos que servem de meios de pagamento, vai
depender, numa economia fechada, da demanda do público e das
condições impostas pelo Banco
Central para o abastecimento de
liquidez aos membros do sistema
bancário. A taxa de juros de curto
prazo e as operações de mercado
aberto, manejadas pelo Banco
Central, são a cúspide desse sistema de pagamentos e de provimento de liquidez, pois permitem às
autoridades monetárias tornar
mais estritas ou relaxadas as condições em que são demandados os
novos fluxos de crédito ou negociados os títulos da dívida pública
já existentes no mercado.
De uma perspectiva macroeconômica, o crédito é uma aposta,
sujeita a perdas, no acréscimo de
valor a ser criado no processo de
produção -cuja operação depende da contratação de força de trabalho e da compra e utilização dos
elementos do capital fixo e circulante-, bem como da realização
desse valor mediante a venda dos
bens produzidos. As decisões de
gasto apoiadas no crédito devem,
portanto, ser avaliadas pelo sistema de instituições que administra
a moeda e os fundos financeiros
da sociedade.
Os empresários gastam na expectativa de capturar lucros, enquanto geram a renda da comunidade. No processo de "fechamento" do circuito gasto-utilização da
renda, os lucros capturados pelas
empresas e a fração da renda não
gasta, apropriada pelas famílias,
definem o montante da poupança
agregada, ou seja, o "funding"
adicional necessário para o pagamento do serviço das dívidas e para a acumulação de riqueza.
Podemos, dessa forma, imaginar
a economia como uma estrutura
de balanços inter-relacionados e
em transformação: aos ativos correspondem passivos que resultaram de decisões passadas. A essa
configuração patrimonial estão se
agregando os resultados das decisões em curso relativas à posse de
ativos e à forma de financiá-los.
Além de adiantar recursos líquidos e de criar liquidez para a efetivação do gasto, o sistema bancário
é encarregado de intermediar as
mudanças patrimoniais ao longo
dos sucessivos "momentos" de geração e utilização da renda.
Stiglitz faz questão de sublinhar
que o "novo paradigma monetário" não trata da oferta de poupança, ou seja, da parcela da renda que não é gasta em consumo,
mas, sim, da oferta de crédito que
depende não só da demanda por
fundos mas, sobretudo, das condições em que os bancos estão dispostos a ofertar empréstimos.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 60, é professor
titular de Economia da Unicamp. Foi
chefe da Secretaria Especial de Assuntos
Econômicos do Ministério da Fazenda
(governo Sarney) e secretário de Ciência
e Tecnologia do Estado de São Paulo
(governo Quércia).
Texto Anterior: Opinião Econômica - Rubens Ricupero: Uma porta estreita Próximo Texto: Luís Nassif: O brasileiro da Kodak Índice
|