São Paulo, domingo, 06 de junho de 2004

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Estudo de economistas do FMI e de Berkeley conclui que liberalização financeira não traz benefícios esperados

Emergente ganha pouco com fluxo de capital

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os benefícios diretos da liberalização financeira para países emergentes deixam a desejar. Essa é uma das conclusões de um estudo feito pelos economistas Olivier Jeanne, do FMI (Fundo Monetário Internacional), e Pierre-Olivier Gourinchas, da Universidade Berkeley, na Califórnia.
Pelas estimativas dos analistas, os ganhos da total abertura da conta de capital para um país emergente equivale a um crescimento do consumo doméstico de 1% ao ano. "Esse benefício é de uma ordem de magnitude menor do que os ganhos que economistas desenvolvimentistas e governantes pretendem atingir", diz trecho do relatório, intitulado "Os Ganhos Ilusórios da Integração Financeira Internacional".
Segundo o trabalho, esse retorno -medido para a média dos países que não fazem parte da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico)- é muito pequeno, se comparado aos ganhos de riqueza proporcionados por um forte aumento da produtividade doméstica na magnitude observada em algumas nações.
"Não é um ganho desprezível [...] Mas é pequeno, se comparado aos propiciados por aumentos da produtividade na magnitude que observamos em diversos países depois da Segunda Guerra Mundial", disseram os dois economistas em resposta a perguntas enviadas pela Folha por e-mail.
Nas últimas duas décadas, países em desenvolvimento, como o Brasil, começaram a remover as barreiras ao livre fluxo de capitais, seduzidos pela tese do chamado Consenso de Washington de que essa medida viria acompanhada de um grande crescimento da riqueza nacional. A abertura da conta de capital passou a integrar a cartilha de recomendações de organismos multilaterais como o próprio FMI e o Banco Mundial.
Muitos economistas liberais especializados em questões de desenvolvimento ainda defendem a idéia de que o fluxo de recursos para países em desenvolvimento -que sofrem de uma escassez de capital- tende a estimular o crescimento econômico e a fazer com que o nível de renda deles convirja para o patamar registrado pelas nações desenvolvidas.
Em um contexto de abertura financeira, a renda dos países emergentes deve, de fato, aumentar. Mas, de acordo com os resultados do trabalho de Jeanne e Gourinchas, ainda ficará muito aquém do nível de riqueza atingido pelos países avançados.

Produtividade
Segundo Jeanne, que é economista sênior do departamento de pesquisa do FMI, e Gourinchas, que é professor do departamento de economia de Berkeley, o caminho mais eficiente para o crescimento econômico é o aumento da produtividade de uma economia.
Para isso, é fundamental que um país em desenvolvimento tenha instituições domésticas que garantam o respeito aos direitos de propriedade e um ambiente macroeconômico estável.
A abertura financeira pode até contribuir para que uma economia em desenvolvimento se torne mais produtiva por vias indiretas. Mas não há prova disso, de acordo com os autores do estudo.
"Abrir a conta de capital pode ser um componente de uma estratégia para o desenvolvimento. Mas, para defender esse argumento, é necessária uma história convincente quanto à maneira pela qual essa abertura aumenta a produtividade interna. Não é uma conexão óbvia", afirmaram os economistas à Folha.
Segundo eles, não se pode alegar, por exemplo, que é evidente que uma autorização governamental para que empresas emitam bônus no exterior ou para que investidores de fora adquiram ações do país resultará em um aumento da produtividade doméstica.
Se por um lado ainda não foram medidos todos os benefícios da abertura financeira, por outro países em desenvolvimento experimentaram, em períodos de crise, os altos custos dessa abertura. Nos últimos anos, vários mercados emergentes amargaram um forte impacto negativo em suas economias depois de sofrerem saídas bruscas de capital.
Isso levou muitos economistas liberais e o próprio FMI a passar a defender, mais recentemente, uma posição mais cautelosa dos países emergentes em processos de liberalização financeira.

Eficiência
Questionados pela Folha sobre quais medidas poderiam ser tomadas pelo governo de um país em desenvolvimento para aumentar a produtividade doméstica, Gourinchas e Jeanne afirmam que "até recentemente muitos economistas acreditavam que os países menos desenvolvidos precisariam acumular mais capital produtivo e mais infra-estrutura física". "Mas as pesquisas recentes enfatizam a importância da eficiência com que o capital e a mão-de-obra internas são usados, em lugar do volume de capital em si", afirmaram em suas respostas.
Gourinchas e Jeanne relativizam os reflexos de seu estudo em futuras recomendações de política das instituições financeiras internacionais aos países em desenvolvimento, tendo em vista que o FMI, por exemplo, ainda defende benefícios supostamente maiores da abertura da conta de capital.
"Primeiro, não devemos nos deixar iludir pela caricatura que muitas vezes é apresentada quanto à posição do FMI sobre esses assuntos. O FMI vem advogando a liberalização da conta de capital de maneira relativamente cautelosa, enfatizando em especial a importância do seqüenciamento e a necessidade de que as condições domésticas sejam as corretas", dizem. "Esperamos que nosso trabalho influencie a maneira pela qual as pessoas, dentro e fora do FMI, pensam sobre a globalização financeira", completam.


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