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ENTREVISTA DE 2ª
JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
Economista diz que peso maior dos juros recaiu sobre investimentos e rechaça "herança maldita"
Política econômica tolhe o entusiasmo para investir
FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Para o economista José Roberto
Mendonça de Barros, pior do que
o resultado de 0,3% de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) no primeiro trimestre deste
ano é o fato de estar se ""dissipando o entusiasmo" do setor empresarial por novos investimentos.
""É claro que o governo sabe que
o custo [da atual política monetária] seria uma freada no PIB. É
gente competente que está na
operação", afirma. ""O que lamento muito é a perda do entusiasmo
dos empresários em investir. Perdeu-se o "fósforo" dessa decisão,
que é o entusiasmo."
Sócio-diretor da MB Associados
e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
entre janeiro de 1995 e março de
1998, no primeiro mandato do governo FHC, o economista diz não
enxergar muitas condições de a
economia brasileira sustentar um
crescimento acima de 3% ao ano.
Para Mendonça de Barros, o governo Lula comete um erro ""monumental" ao adotar uma visão
de Estado da ""década de 60". Sobre o termo ""herança maldita"
empregado por Lula para definir
a administração anterior, afirma:
"Se maldita fosse, o atual governo
teria mudado a política econômica, que é igual à anterior. E isso é o
melhor que eles têm a mostrar".
Mendonça de Barros é doutor
em Economia pela Universidade
de São Paulo e fez pós-doutorado
no Economic Growth Center, da
Universidade de Yale, nos EUA.
Leia os principais trechos da entrevista concedida à Folha:
Folha - O resultado do PIB no primeiro trimestre de 2005 mostra
que, aparentemente, a estratégia
do governo para esfriar a demanda
e controlar a inflação deu certo. O
governo não deveria comemorar?
José Roberto Mendonça de Barros - Do ponto de vista da política
monetária, não há dúvida de que
esse era o objetivo. O que o resultado mostra é que a política monetária funciona, embora mais
lentamente por conta de circunstâncias como a política de expansão de crédito ao consumidor.
Nesse sentido, o resultado está de
acordo com os planos.
É claro que o governo sabe que
o custo seria uma freada do PIB. É
gente competente que está na
operação [da política monetária].
Evidente que é difícil explicar isso,
até politicamente, e dizer que é
temporário.
Nem dá para dizer que a queda
foi muito mais forte do que o esperado. Nós aqui na MB havíamos aberto o ano com uma expectativa de crescimento de 3,7%.
Depois, revisamos para 3,5% por
causa da seca na área agrícola e já
tínhamos baixado para 3,1%.
Mas a mudança mais importante no cenário atual é um desencanto em relação aos investimentos. No segundo semestre do ano
passado era perceptível no Brasil
inteiro um certo entusiasmo dos
empresários com relação às possibilidades de expansão. Especialmente a indústria começou, a partir do fim de 2003 e em 2004, a ter
uma demanda melhor e foi capaz
de melhorar suas margens, como
os balanços mostraram, além de
terem aumentado seus volumes.
É sonho de todo empresário: vender mais com margem maior.
Isso levou a um aumento de capacidade. Um número grande de
empresas adotou o segundo turno. Outro expressivo, o terceiro
turno, e um número também não
trivial foi para uma coisa que não
existia no Brasil, o quarto turno,
quando se trabalha nos finais de
semana. É isso que precede a decisão de fazer uma nova fábrica. As
empresas estavam com as fábricas ocupadas e com o caixa cheio.
Havia um entusiasmo importante
no conjunto empresarial. É por aí
que a política monetária começou
a fazer efeito, já que, pelo lado do
crédito, havia a franca expansão
do crédito consignado. O peso
maior da política monetária foi,
portanto, sobre o investimento.
A partir de outubro [de 2004],
quando ficou claro que o aperto
monetário iria durar mais do que
alguns meses, esse entusiasmo foi
se dissipando. Ao mesmo tempo,
houve uma valorização natural da
taxa de câmbio, a contraparte do
juro alto, e parte dessa dissipação
de entusiasmo teve a ver com os
projetos de exportação. Vimos
dezenas de casos de empresas que
suspenderam projetos. Ao mesmo tempo, tivemos em janeiro e
fevereiro uma consolidação da seca que destruiu o resultado do
agronegócio neste ano na parte de
grãos e algodão, gerando forte
queda de investimento nesse ramo. Por último, há os investimentos na infra-estrutura, que não
andam mesmo.
Recentemente olhamos todos
os projetos que foram anunciados
pelas empresas no segundo semestre do ano passado registrados no Ministério do Desenvolvimento. Fomos de empresa a empresa perguntar como estavam os
planos e só não localizamos 10%
delas. Entre os 90% restantes, 11%
dos projetos já haviam sido descontinuados, 35% estão ""em projeto", ou seja, algo que não está
pronto ou está suspenso, e 42%
em velocidades diferentes. Claramente, o horizonte otimista virou
desaceleração.
Seria absolutamente injusto dizer que isso ocorreu só por causa
dos juros. Há também as questões
regulatórias, a carga tributária, a
burocracia, um conjunto de coisas afetando essas decisões.
Folha - O sr. se diria pessimista do
ponto de vista dos investimentos
mesmo com as empresas estando
hoje bastante capitalizadas, ao
contrário de outras crises?
Mendonça de Barros - Sim. As
empresas-padrão passaram por
períodos muito difíceis desde o
racionamento de energia (2001).
Depois, vieram as dúvidas da sucessão (presidencial), o câmbio a
R$ 4,00 e um 2003 que foi difícil
no geral, com uma política monetária dura. As empresas só começaram a sair do buraco no fim de
2003 para viverem o sonho que foi
2004, quando pagaram dívidas e
fizeram muito caixa. Sentadas
nesse dinheiro, havia a expectativa de que o próximo passo seria o
de fazer uma nova fábrica. Esta
decisão está se enfumaçando.
O que lamento muito é a perda
do entusiasmo dos empresários
de investir. A perda do "fósforo"
dessa decisão, que é o entusiasmo.
E vai ser muito difícil retomar isso. Costuma-se dizer que economia não é rádio, onde você abaixa
e aumenta o volume sem custos.
Mas o grande avanço atual é que
os ditos fundamentos econômicos fazem com que não se tenha
uma crise. Estamos em um canal
de certo crescimento, mas que,
com esse padrão de investimento,
não deve passar muito de 3% ao
ano, isso num cenário externo excepcionalmente favorável. Para
sustentar 4% a 5% não há como
sem alta significativa nos investimentos. E isso, em um ou dois
anos, não está no horizonte.
Não é pessimismo no desempenho de curto prazo, já que 3% não
é, historicamente, ruim. Mas está
aquém do que se imaginava.
Folha - Como desatar o nó? A meta de inflação está muito apertada?
Mendonça de Barros - Certamente o problema não é só a política
monetária, mas ter metas de inflação muito ambiciosas em um país
que tem correção monetária parcial nos preços e que vive choques
de oferta lá fora, como no caso do
petróleo, torna muito difícil a inflação ceder muito rápido. Não é
só uma questão de expectativas,
mas de os preços controlados impedirem que ela caia. O Chile, por
exemplo, tinha 12,5% de inflação
ao ano em 1990 e levou quase dez
anos, sem correção monetária,
para trazer isso para abaixo de
4%. Nós tivemos 12,5% de inflação em 2002. Se pegarmos a meta
original de 4,5% para este ano, era
fazer o que o Chile fez em dez
anos em quatro, com correção
monetária e choque do petróleo.
Por isso a política monetária
tem de ser agressiva. E quando isso acontece, os preços livres abaixam, porque a demanda enfraquece. Mas isso não acontece dentro de uma estrutura estável. A
margem desejada pelos empresário fica muito abaixo do razoável
e, na primeira melhora da demanda, a margem se recupera e o preço sobe. Ficamos nessa sanfona.
Lamento que a decisão em relação às metas de inflação não tenha
sido uma opção mais gradual. Ou
por uma meta menos ambiciosa
ou por mais tempo para se chegar
a essa meta. Isso não significa ser
inflacionista.
A outra ponta que trava os investimentos é fartamente conhecida, que começa com uma estrutura tributária desenhada para arrecadar e que penaliza a produção
e o investimento. E há ainda outra
dificuldade, que é o fato de as
áreas setoriais do governo terem
uma visão do Estado que não bate
com a do setor privado.
Folha - O governo tem feito um
trabalho até propagandístico para
dizer que os fundamentos econômicos estão melhorando. Mas a política atual parece continuar levando ao ""stop and go", um ""enxugamento de gelo", que é fazer superávit fiscal alto para pagar juro alto. Como sair disso?
Mendonça de Barros - Sair da armadilha do juro alto é o nosso
maior desafio. Nós temos de reconhecer que isso não é de agora e
que vem de muito tempo. A América Latina tem vários outros países que já entraram em moratória,
tiveram inflação muito alta, têm
problemas sociais e má distribuição de renda. Mas nenhum tem
juros tão altos como o Brasil. Qual
a razão disso e como sair dessa,
honestamente, eu não sei.
Folha - Tem havido uma tendência de atribuir os juros altos também ao fato de o governo gastar
muito e mal. O sr. concorda?
Mendonça de Barros - Essa é uma
parte do problema, mas mais do
que a diminuição dos gastos do
Estado, não conseguimos discutir
a qualidade do gasto. Aumentamos a carga tributária adoidado
nos últimos 12 anos e o investimento público só caiu, até chegar
hoje a próximo de zero. Isso não
pode dar certo. Tem de haver outra forma de gastar melhor.
E ficar cortando gastos na boca
do caixa para fazer superávit como o país está fazendo não resolve. É o equivalente a amassar os
preços livres com juro alto. Sentar
em cima do caixa diminuindo
pesquisa agrícola, por exemplo,
não é a solução. O problema-chave é que não conseguimos melhorar em quase nada até agora a estrutura geral dos gastos.
Há muitos exemplos que deveriam ser seguidos, como no caso
das estradas no Estado de São
Paulo, que saíram das mãos do
Estado e hoje são as melhores do
país. Há toda uma discussão sobre pedágios, mas funcionam. Levou dois anos e meio, e agora o
governo federal está indo na mesma direção. Esse tem de ser um
exemplo multiplicado por cem.
Folha - Como ex-funcionário da
administração FHC, quais as diferenças que o sr. vê na política econômica atual e na anterior?
Mendonça de Barros - Antes disso, acho que a grande diferença
geral que há entre as duas administrações é a concepção de Estado. No governo FHC a concepção
era de um Estado menor, mais regulador, voltado para gastos prioritários na área social, privatizando, concedendo e terceirizando.
No caso do governo Lula, até
agora a orientação geral é mais
Estado, mais funcionários, menos
terceirização, menos privatização, menos capital privado, menos agências reguladoras, mais
poder para os ministérios. Eu
acho essa visão absolutamente ultrapassada e que não funciona.
Na política econômica, há pouca mudança. Todo o aparato da
política -o superávit primário, o
câmbio flutuante, o sistema de
metas- opera basicamente da
mesma forma que no segundo
mandato de FHC. Há muito pouca diferença.
Folha - Como o sr. responde ao
termo ""herança maldita" e ao fato
de Lula viver dizendo que está consertando o que foi feito de errado?
Especialmente o fato de FHC ter segurado o câmbio até a obtenção da
reeleição, o que teve forte impacto
sobre a dívida pública e privada.
Mendonça de Barros - Discordo
do termo ""herança maldita". Entendo que faz parte do jogo político, mas, se maldita fosse, primeiramente o atual governo teria de
ter mudado a política econômica,
que é igual à anterior. E o melhor
que esse governo tem para mostrar hoje é a política econômica.
Também discordo radicalmente de falar de ""herança maldita"
em relação à reforma do Estado.
A visão atual é de um Estado dos
anos 60, e essa é uma discordância
de visão de mundo. Trata-se de
um equívoco monumental.
Sobre a questão dos juros e do
câmbio, realmente acho que o governo FHC tardou muito a encarar o problema e a sair da taxa de
câmbio extremamente valorizada. Ainda em 1997, fiz um monte
de coisas e tentei, com a concordância de alguns, começar a flexibilização do câmbio. Mas não
houve acerto. Aquele foi um erro
total, tanto é que acabou na grande desvalorização de 1999.
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