|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
COLATERAL
Para economista, empresários não devem iniciar grandes projetos até 2006
Crise já parou investimentos,
afirma Mendonça de Barros
Marlene Bergamo - 22.mai.2003/Folha Imagem
|
O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, que considera improvável a candidatura de Palocci |
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, 62, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das
Comunicações (governo FHC),
diz acreditar que a atual crise política, apesar de não ter abalado o
mercado financeiro, já tenha afetado as decisões de investimentos.
Segundo ele, serão dois anos sem
investimento no país, já que, em
2006, as eleições presidenciais
também poderão frear o início de
novos projetos. "O empresário está meio estupefato, mas certamente as decisões de investimento já foram afetadas", diz ele.
"Ninguém vai fazer uma fábrica
de US$ 300 milhões."
Para Mendonça de Barros, o
grande risco de a crise transbordar para o mercado é o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva não sair
candidato à reeleição. "Meu medo
é o Lula não sair candidato e aparecer alguém, da esquerda ou da
direita, com um discurso messiânico claramente ligado a uma política econômica diferente."
Ele não acredita na hipótese de
o ministro da Fazenda, Antonio
Palocci Filho, sair candidato pelo
PT, no caso de Lula desistir da
reeleição. "O Palocci candidato à
Presidência, aprovado pela convenção do PT, eu não consigo enxergar", afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Folha - Por que a crise política
ainda não afetou a economia?
Luiz Carlos Mendonça de Barros -
No passado, uma crise política levava o operador financeiro ou o
agente econômico a considerar o
risco de mudança na política econômica. Você tinha o discurso do
PT de que havia uma alternativa à
política que se praticava. Nós não
vivemos mais isso hoje. O PT, que
era oposição, hoje é governo. Isso
faz uma diferença extraordinária.
E esse mesmo PT, que hoje é governo, expulsou da sua agenda todas aquelas propostas heterodoxas de intervenção do passado.
Esse é o grande fator de mudança.
O PT não está mais batendo o
bumbo na oposição e tornou-se
um defensor radical de uma política econômica mais conservadora. Há outros fatores que têm contribuído ainda mais para essa estabilidade. O Palocci, que é o fiador dessa mudança no PT, fortaleceu-se na crise. Quem era o anti-Palocci no governo? Era o José
Dirceu, que foi quem sempre verbalizou algum tipo de oposição à
política econômica. Há também o
fato de que o mundo mudou e vive hoje um momento de excesso
de recursos financeiros. Isso criou
uma demanda no mundo todo
por um lugar que tenha juros elevados, que é o caso do Brasil. A
combinação de todos esses fatores explica por que a economia
não está sendo afetada. Agora, isso se refere ao curto prazo. Para
quem acompanha a crise política,
fica claro que nós estamos vivendo uma crise mais séria do que
uma análise superficial aparenta.
A crise atingiu o Poder Legislativo
de uma forma contundente em
termos de credibilidade e também atingiu o PT, que é talvez o
único partido brasileiro com mais
disciplina, mais caráter ideológico, mais idéias e propostas. E esse
partido está sendo atingido na sua
parte mais forte, que é a ética. Não
tenha dúvida de que isso terá reflexo de médio e longo prazos.
Folha - Que reflexos?
Mendonça de Barros - Nós sabemos que o PT é um partido stalinista no sentido do centralismo
democrático. São poucas pessoas
que mandam no partido. Na medida em que você expulsa esse
pessoal da direção do partido,
quem vai mandar? Aparentemente, quem sai fortalecido é a esquerda do partido. Ora, a esquerda do partido é contra a política
econômica do Palocci. A probabilidade de sair um núcleo dirigente
do PT mais ideológico não é pequena. Se isso acontecer, se esse
for o cenário, dentro de três ou
quatro meses, certamente, os
agentes econômicos vão começar
a se preocupar. O empresário está
acompanhando essa crise ainda
meio estupefato, mas certamente
as decisões de investimento já foram afetadas. A decisão de começar o projeto de uma fábrica, um
projeto de um investimento grande, paralisou. Paralisou. O efeito
de natureza financeira, de comprar ou vender dólar, esse está
preservado, mas as decisões de investimentos já foram afetadas.
Folha - Os investimentos pararam?
Mendonça de Barros - Ninguém
vai fazer uma fábrica de US$ 300
milhões nesse quadro. Nessa hora, com essa crise, param as decisões de investimento. Parou, perdeu-se um ano. Para piorar, daqui
a pouco engatamos nas eleições,
que certamente serão disputadas
em função da crise atual. Isso significa que as decisões de investimento, que já pararam em 2005,
também vão parar em 2006, pelo
menos até haver um quadro mais
claro da disputa eleitoral.
Ninguém vai por a mão no bolso e assinar compromisso com o
banco para novos projetos. Além
disso, há outros problemas de natureza econômica que incomodam, como a taxa de câmbio.
Folha - Mas, mesmo com a freada
dos investimentos, o mercado financeiro não sentiu a crise.
Mendonça de Barros - Há também um outro fator que explica
esse comportamento anormal do
mercado financeiro em relação ao
passado. O Lula ainda tem preservado a sua popularidade. Pesquisas recentes mostram que, mesmo depois desse escândalo todo,
ele ainda tem lá o seu espaço.
Além disso, o eventual beneficiário da situação parecer ser o
PSDB. Ou seja, o mercado acha
que, se ganha um ou outro, a política econômica será preservada.
E, no caso do Lula, preservada
mesmo, porque o Palocci aumentou o seu poder de influência. O
grande medo do mercado é que,
nessa confusão toda, apareça alguém que defenda uma política
econômica diferente. Isso, aparentemente, não está visível.
Folha - Anthony Garotinho seria
uma ameaça?
Mendonça de Barros - Ainda não
está visível. De qualquer forma,
quem acompanha crise política
sabe que estamos vivendo um
momento de natureza tectônica
de acomodação e que precisa de
algum tempo para que esse cenário se estabilize. Nós só vamos ter
uma idéia clara desse novo equilíbrio em setembro ou outubro. O
grande risco é o Lula ser atingido
pela crise e não sair candidato à
reeleição. Acho que esse é um risco perigosíssimo. Nós vamos ter
um contingente expressivo de
brasileiros desiludidos, que vão
estar sem uma referência para o
seu voto. O Lula é uma referência.
Os brasileiros de baixa renda
olham o Lula como um sujeito como eles. Ele pode até ter mudado
um pouco, ter ficado um pouco
mais burguês, mas é o jeito da vida dele. O meu medo maior é se o
Lula não sair candidato e aparecer
alguém com algum tipo de discurso messiânico, da esquerda ou
da direita, com um discurso claramente ligado a uma política econômica diferente da atual.
Folha - E se o candidato do PT for
o Palocci?
Mendonça de Barros - O Palocci é
a direita do PT. A massa não é o
Palocci. O Palocci é comprometido com uma política econômica
que é ruim para a população de
baixa renda. O Lula não sendo
candidato abre espaço para um
sujeito à esquerda ou um populista de direita. Por isso eu vinculo a
estabilidade dos mercados à presença do Lula como candidato
forte o ano que vem. E, eu ouso dizer que se o Lula ou desistir da sua
candidatura ou tiver um problema mais sério, tipo impeachment,
isso vai desestabilizar o mercado
financeiro. O mercado vai ficar
com medo de quem será o depositário do voto dessa massa que
ainda tem uma identificação com
o Lula. Por incrível que pareça, o
Lula candidato a presidente é um
fator de estabilidade.
Folha - E se a disputa for entre Geraldo Alckmin e Palocci?
Mendonça de Barros - Não vejo
essa alternativa. Não faz sentido.
O Palocci terá que ser escolhido
pelo PT para ser candidato, e embora eu não seja especialista em
PT, parece-me absolutamente incompatível o PT com o Palocci
candidato. O Palocci ministro é
fruto do centralismo democrático
do PT. Só existe o Palocci ministro porque essa foi uma decisão
do Lula e da cúpula do PT. O Palocci candidato à Presidência,
aprovado pela convenção do PT,
eu não consigo enxergar. Acho
que esse cenário é ideal para os
mercados, mas não existe. O cenário que existe é Lula versus um
candidato do PSDB. Se você tirar
o Lula desse cenário, a coisa fica
muito complicada. O Lula, historicamente, sempre teve um terço
dos votos, e a opção desse terço é
socialista, de cunho popular. Não
aceita candidatos mais vinculados
à elite econômica. Não sei para
onde vai esse pessoal órfão do Lula. O quadro pode se complicar.
Folha - Até quando o Lula consegue se manter distante da crise?
Mendonça de Barros - Pelo que a
gente tem visto, o Lula mantém
isso, primeiro, pela história dele.
Segundo, pela cortesia da opinião
pública, pelo menos desses segmentos mais populares. Há o benefício da dúvida de que o Lula
não sabia, não era informado. E
todos nós sabemos que o presidente não tem condições de saber
tudo. É uma proteção pela história dele, pela origem dele. Todos
sabemos que o Lula não é um sujeito corrupto, tanto que o máximo que se pode dizer dele é que é
um presidente ausente, que não
decide, que delega coisas que não
devia delegar. Essa é a proteção
dele. Acho que precisaria de alguma coisa muito traumática para
ele ser atingido, mas não enxergo.
Folha - O sr. também sofreu uma
crise no governo FHC, com as fitas
do grampo do BNDES. Há semelhanças entre os dois momentos?
Mendonça de Barros - Não. As fitas do Correio são de três horas, as
do BNDES tinham 72, e não apareceu nada. A única coisa que
apareceu e que virou acusação é
que nós não poderíamos estar
ajudando a formar os consórcios
da privatização, mas isso foi resolvido. O Tribunal de Contas da
União nos absolveu ao dizer que é
função do funcionário público
obter o maior preço na venda dos
ativos, que foi o que fizemos.
Folha - Qual seria, hoje, o melhor
candidato do PSDB?
Mendonça de Barros - Eu acho
que o PSDB tem dois candidatos
muito competitivos e de muita
qualidade, que são o Geraldo
Alckmin e o José Serra.
Texto Anterior: Luís Nassif: Paroxismo e inação Próximo Texto: Fica Lula Índice
|