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OPINIÃO ECONÔMICA
A Geni e a CPMF
MARCOS CINTRA
Tornou-se moda acusar a
CPMF de uma série de defeitos que não poderiam, por lógica
ou por justiça, serem atribuídos a
ela, ou apenas a ela.
Isso fez lembrar a prostituta Geni, inesquecível personagem criada por Chico Buarque. Todos a
conheciam e procuravam. Mas
era apedrejada em público pelos
mesmos que dela se serviam, apesar dos íntimos favores prestados
a seus acusadores.
Impostos sobre movimentação
financeira possuem qualidades.
Apesar das usuais acusações de
cumulatividade, impossibilidade
de desoneração nas exportações,
regressividade e outras distorções,
a CPMF vem se firmando como
um tributo confiável, robusto e,
sobretudo, justo, por ser insonegável. Apesar de ser sempre enxovalhada, a CPMF, tal qual Geni, é
a única forma tributária que sobrevive às querelas entre senadores, deputados, governadores e
prefeitos na definição da reforma
tributária. Criticada porém indispensável, a CPMF agora é acusada até mesmo de elevar os juros e
de ser responsável pela estagnação do país.
No artigo "O peso da CPMF na
dívida pública", publicado no jornal "Valor" em 11 de setembro,
Paulo Tenani dá sequência a esse
costume emergente e desfecha
mais uma crítica contra a CPMF.
Afirma que ela é causa eficiente
da elevação da dívida pública e
da redução do crescimento econômico brasileiro.
O autor não apresenta evidências estatísticas para comprovar
tão dramáticas afirmações. Tenta
comprovar sua tese apelando a
modelos conceituais de equilíbrio
geral. Há dois raciocínios no artigo:
1) por arbitragem, a taxa de juros doméstica é igual à taxa de juros externa, "ajustada pela taxa
de câmbio, prêmio por risco e custo de transação"; como a CPMF
incide três vezes no capital externo aplicado no país (aumentando assim o custo de transação),
segue que, "com a CPMF em
0,38%, as taxas de juros são pelo
menos 1,14 ponto percentual mais
altas do que sem o tributo";
2) a CPMF aumenta os juros
nominais, mas não eleva a inflação (aumenta apenas o nível geral de preços); portanto ela faz
aumentar os juros reais, "reduzindo assim o crescimento econômico".
Em relação ao primeiro raciocínio, carece ao autor indicar os resultados de pesquisas que medem
os efeitos da taxa de câmbio e
principalmente do prêmio de risco na formação da taxa de juros
no mercado brasileiro. Apenas se
a relação causal dessas duas variáveis na formação dos juros fosse diretamente comprovada, como quer o autor, seria possível
afirmar que "as taxas de juros domésticas tendem a ser pelo menos
três CPMFs mais altas do que seriam na ausência desta contribuição". E, ainda assim, seria necessário comprovar, adicionalmente, que a demanda doméstica por
capital financeiro seria totalmente insensível ao seu preço (demanda inelástica). Não creio que
essas duas hipóteses tenham sido
comprovadas empiricamente, até
porque, usualmente, a expressão
"prêmio por risco" expressa apenas o resíduo não explicado pelas
demais variáveis do modelo. Não
há como negar que o Copom coloca a taxa de juros onde desejar, à
revelia de qualquer processo de
arbitragem.
Ademais, os mecanismos de formação dos juros internos estão
longe de seguir o modelo neoclássico da competição perfeita, que
prevê, "por arbitragem", a equalização de preços em todos os mercados. Portanto o primeiro raciocínio do artigo é equivocado do
ponto de vista de sua lógica formal, além de ingênuo do ponto de
vista de sua validade empírica.
Em relação ao segundo raciocínio, a forma vaga como as relações causais foram apresentadas
torna-o ainda mais frágil quando
o autor afirma que "algumas estimativas sugerem que uma CPMF
de 0,38% (que aumenta a taxa de
juros em 1,14 ponto percentual)
pode derrubar a taxa de crescimento econômico em 0,4 ponto
percentual". Que estimativas são
essas? Trata-se de afirmação que
carece de comprovação factual.
Cumpre apontar ainda que,
mesmo aceitando-se todas as afirmações do autor como verdadeiras, as conclusões obtidas não seriam diferentes se, em vez de
"CPMF", constasse "IOF", "IR"
ou qualquer outro tributo. Nesse
sentido, o título do artigo poderia
ser "O peso do IOF (ou do IR, ou
do ICMS, ou do ISS, ou de qualquer outro tributo) na dívida pública".
Tome-se o caso do IR. Como os
ganhos financeiros no Brasil são
tributados em 20%, a tributação
brasileira é parte do "custo Brasil", ou do custo de transação no
Brasil. A partir daí todas as conclusões são as mesmas que as obtidas com o argumento sobre a
CPMF. Os juros nominais e reais
sobem, e a dinâmica da dívida
pública e do crescimento econômico é negativamente afetada, da
mesma forma que com a CPMF.
Vê-se, portanto, que o argumento que pretendia ser uma crítica apenas à CPMF fica reduzido
a uma constatação trivial, aplicável a qualquer tributo: seu impacto em termos de equilíbrio geral é
o de elevar juros, reduzir o crescimento econômico e aumentar a
dívida pública relativamente ao
PIB.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 58, doutor pela Universidade
Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, é secretário das Finanças
de São Bernardo do Campo e autor de "A
verdade sobre o Imposto Único" (LCTE,
2003). Escreve às segundas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
E-mail -
mcintra@marcoscintra.org
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