|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
A quem responde o Copom?
MARIA RITA LOUREIRO E FERNANDO LUIZ ABRUCIO
As reuniões mensais do Copom (Comitê de Política
Monetária) do BC, especialmente
quando se antecipam movimentos significativos dos juros, têm
gerando expectativa no mercado
financeiro e muita apreensão nos
demais agentes econômicos. Suas
decisões afetam os rumos da economia, o nível do emprego e o tamanho da dívida pública. Portanto atingem direta e indiretamente
milhões de cidadãos.
Nesse período, já denominado
ironicamente pelo presidente Lula de "tensão pré-Copom", costumam aparecer na imprensa avaliações de economistas e declarações de políticos, essas vistas como interferência indevida, pois a
taxa de juros é tida como assunto
complexo, a ser tratado apenas
por entendidos e resguardado de
interferências que desvirtuariam
as decisões dos especialistas.
Duas dimensões do poder do
Copom têm impactos sobre nossa
ordem democrática e merecem
discussão: sua composição e a responsabilização de seus dirigentes.
Formado pelo presidente do BC e
seus diretores, em geral funcionários de carreira do próprio banco,
economistas vindos das universidades e membros do mercado financeiro, o Copom define a taxa
de juros, orientando-se pelas metas de inflação estabelecidas pelo
CMN (Conselho Monetário Nacional). Formalmente, o Copom e
o CMN (que foi reduzido, desde
1994, aos ministros da Fazenda e
do Planejamento e ao presidente
do BC) respondem ao Legislativo,
conforme princípios da democracia presidencialista. Assim é que
os dirigentes do BC devem ser sabatinados pelo Senado, antes de
nomeados pelo presidente da República, e podem ser, a qualquer
momento, convocados a prestar
depoimentos. Infelizmente, essas
práticas têm sido mera formalidade, já que nenhum nome foi recusado ou sofreu algum tipo de sanção pelo Legislativo.
A composição desses órgãos e a
ausência de mecanismos efetivos
de controle de suas decisões exprimem padrão típico de gestão
macroeconômica no Brasil: arenas restritas e fechadas a demandas da sociedade, tidas como causadoras de desequilíbrios monetários ou fiscais. Assim, insulados
de tudo e de todos, um número
pequeno de iluminados definiria
o destino do restante da sociedade. Cabe então perguntar: a quem
o Copom responde? Legalmente,
ao CMN, que estabelece as metas
de inflação. Todavia na prática o
ministro da Fazenda e o presidente do BC atuam em sintonia no
CMN, e as eventuais divergências
do Planejamento acabam não
tendo peso aí. Portanto as decisões acabam centradas nos dirigentes do BC, e a questão da responsabilização dos membros do
Copom permanece.
Seguindo orientações dos bancos centrais mais importantes do
mundo, como o Fed norte-americano, o Copom tem buscado
transparência em suas decisões
para que a política monetária tenha credibilidade pública. Além
do regime de metas de inflação,
que representou passo importante, a preocupação com a transparência também instituiu a carta
aberta do presidente do BC para o
ministro da Fazenda, quando as
metas não são atingidas e na qual
se apresentam as justificativas.
Crucial é a publicação das atas do
Copom, fundamentando para o
mercado financeiro as decisões
sobre os juros e seu eventual viés
para cima ou para baixo.
Não obstante esses avanços, os
instrumentos de transparência
ainda não são satisfatórios. Diferentemente do que ocorre fora, as
atas do Copom não trazem os votos individuais de seus membros,
tampouco sua justificativa. Isso
dificulta a sua prestação de contas. Na verdade, a responsabilização desse órgão deixa bastante a
desejar.
Em primeiro lugar, mesmo levantando informações sobre a
economia, a inflação e as finanças
públicas, as decisões do Copom
sempre contêm uma margem de
arbitrariedade e de escolha entre
alternativas, como revela uma leitura mais atenta de suas atas. Trata-se de decisão que supõe mais
de um caminho técnico, que requer, portanto, justificativa política.
Em segundo, mesmo que o
principal ator a quem respondem
os que tomam decisões sobre juros seja o mercado financeiro, é
fundamental enfatizar que as relações desse com as instituições
monetárias no Brasil comprometem, ainda mais, a ordem democrática e os valores republicanos.
São relações demasiadamente estreitas, e há muitos membros do
Copom ligados, por origem e destino, a bancos ou consultorias financeiras. Além disso, nosso
mercado financeiro é basicamente acionado por títulos públicos,
tornando as decisões sobre taxas
de juros cruciais, pois podem gerar lucros enormes a quem se tornou o grupo quase que exclusivo
da prestação de contas governamental. Eis aí nosso principal déficit de "accountability" sobre as
decisões monetárias: o Copom
responde a uma parte extremamente reduzida do "demos",
mesmo que suas decisões atinjam
milhões de cidadãos.
A solução não se encontra no
insulamento, mas, ao contrário,
no maior controle das decisões
pelo sistema político. Não apenas
pelo Poder Executivo, mediante
ampliação do CMN, como começa a se falar. É preciso principalmente preparar o Legislativo para
exercer de fato o controle e a fiscalização, incluindo o debate sobre
as metas de inflação, sobre as informações que norteiam as decisões e os próprios votos. Sem mudanças em prol de maior responsabilização do Copom, a própria
discussão da autonomia do BC será lida (erroneamente) como problema técnico, e não como questão democrática. Trata-se de caminho oposto ao que ocorreu em
países que reformaram o Estado e
suas políticas macroeconômicas.
Pelo exposto, conclui-se que a
discussão sobre a autonomia do
Banco Central deve ser feita, sim,
mas vinculada a um tema maior,
o da reforma do Estado, compatibilizando a busca da eficiência
com a democratização do poder
público. Separar esses dois aspectos seria seguir o raciocínio tecnocrático e seus interesses puramente ligados ao mercado.
Maria Rita Loureiro, 57, socióloga, professora da FGV-SP e da FEA-USP, é autora do livro "Economistas no Governo:
Democracia e Gestão Econômica" (editora da Fundação Getúlio Vargas) e organizadora do livro "Os anos FHC: O Estado
numa Era de Reformas" (no prelo).
Fernando Luiz Abrucio, 35, doutor em
ciência política pela USP, professor da
FGV-SP e da PUC-SP, é colunista político
do "Valor" e organizador do livro "Os
anos FHC: O Estado numa Era de Reformas" (no prelo).
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Leão guloso: Receita diz que cálculo é indevido Índice
|