São Paulo, quarta-feira, 06 de outubro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

A quem responde o Copom?

MARIA RITA LOUREIRO E FERNANDO LUIZ ABRUCIO

As reuniões mensais do Copom (Comitê de Política Monetária) do BC, especialmente quando se antecipam movimentos significativos dos juros, têm gerando expectativa no mercado financeiro e muita apreensão nos demais agentes econômicos. Suas decisões afetam os rumos da economia, o nível do emprego e o tamanho da dívida pública. Portanto atingem direta e indiretamente milhões de cidadãos.
Nesse período, já denominado ironicamente pelo presidente Lula de "tensão pré-Copom", costumam aparecer na imprensa avaliações de economistas e declarações de políticos, essas vistas como interferência indevida, pois a taxa de juros é tida como assunto complexo, a ser tratado apenas por entendidos e resguardado de interferências que desvirtuariam as decisões dos especialistas.
Duas dimensões do poder do Copom têm impactos sobre nossa ordem democrática e merecem discussão: sua composição e a responsabilização de seus dirigentes. Formado pelo presidente do BC e seus diretores, em geral funcionários de carreira do próprio banco, economistas vindos das universidades e membros do mercado financeiro, o Copom define a taxa de juros, orientando-se pelas metas de inflação estabelecidas pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). Formalmente, o Copom e o CMN (que foi reduzido, desde 1994, aos ministros da Fazenda e do Planejamento e ao presidente do BC) respondem ao Legislativo, conforme princípios da democracia presidencialista. Assim é que os dirigentes do BC devem ser sabatinados pelo Senado, antes de nomeados pelo presidente da República, e podem ser, a qualquer momento, convocados a prestar depoimentos. Infelizmente, essas práticas têm sido mera formalidade, já que nenhum nome foi recusado ou sofreu algum tipo de sanção pelo Legislativo.
A composição desses órgãos e a ausência de mecanismos efetivos de controle de suas decisões exprimem padrão típico de gestão macroeconômica no Brasil: arenas restritas e fechadas a demandas da sociedade, tidas como causadoras de desequilíbrios monetários ou fiscais. Assim, insulados de tudo e de todos, um número pequeno de iluminados definiria o destino do restante da sociedade. Cabe então perguntar: a quem o Copom responde? Legalmente, ao CMN, que estabelece as metas de inflação. Todavia na prática o ministro da Fazenda e o presidente do BC atuam em sintonia no CMN, e as eventuais divergências do Planejamento acabam não tendo peso aí. Portanto as decisões acabam centradas nos dirigentes do BC, e a questão da responsabilização dos membros do Copom permanece.
Seguindo orientações dos bancos centrais mais importantes do mundo, como o Fed norte-americano, o Copom tem buscado transparência em suas decisões para que a política monetária tenha credibilidade pública. Além do regime de metas de inflação, que representou passo importante, a preocupação com a transparência também instituiu a carta aberta do presidente do BC para o ministro da Fazenda, quando as metas não são atingidas e na qual se apresentam as justificativas. Crucial é a publicação das atas do Copom, fundamentando para o mercado financeiro as decisões sobre os juros e seu eventual viés para cima ou para baixo.
Não obstante esses avanços, os instrumentos de transparência ainda não são satisfatórios. Diferentemente do que ocorre fora, as atas do Copom não trazem os votos individuais de seus membros, tampouco sua justificativa. Isso dificulta a sua prestação de contas. Na verdade, a responsabilização desse órgão deixa bastante a desejar.
Em primeiro lugar, mesmo levantando informações sobre a economia, a inflação e as finanças públicas, as decisões do Copom sempre contêm uma margem de arbitrariedade e de escolha entre alternativas, como revela uma leitura mais atenta de suas atas. Trata-se de decisão que supõe mais de um caminho técnico, que requer, portanto, justificativa política.
Em segundo, mesmo que o principal ator a quem respondem os que tomam decisões sobre juros seja o mercado financeiro, é fundamental enfatizar que as relações desse com as instituições monetárias no Brasil comprometem, ainda mais, a ordem democrática e os valores republicanos. São relações demasiadamente estreitas, e há muitos membros do Copom ligados, por origem e destino, a bancos ou consultorias financeiras. Além disso, nosso mercado financeiro é basicamente acionado por títulos públicos, tornando as decisões sobre taxas de juros cruciais, pois podem gerar lucros enormes a quem se tornou o grupo quase que exclusivo da prestação de contas governamental. Eis aí nosso principal déficit de "accountability" sobre as decisões monetárias: o Copom responde a uma parte extremamente reduzida do "demos", mesmo que suas decisões atinjam milhões de cidadãos.
A solução não se encontra no insulamento, mas, ao contrário, no maior controle das decisões pelo sistema político. Não apenas pelo Poder Executivo, mediante ampliação do CMN, como começa a se falar. É preciso principalmente preparar o Legislativo para exercer de fato o controle e a fiscalização, incluindo o debate sobre as metas de inflação, sobre as informações que norteiam as decisões e os próprios votos. Sem mudanças em prol de maior responsabilização do Copom, a própria discussão da autonomia do BC será lida (erroneamente) como problema técnico, e não como questão democrática. Trata-se de caminho oposto ao que ocorreu em países que reformaram o Estado e suas políticas macroeconômicas.
Pelo exposto, conclui-se que a discussão sobre a autonomia do Banco Central deve ser feita, sim, mas vinculada a um tema maior, o da reforma do Estado, compatibilizando a busca da eficiência com a democratização do poder público. Separar esses dois aspectos seria seguir o raciocínio tecnocrático e seus interesses puramente ligados ao mercado.


Maria Rita Loureiro, 57, socióloga, professora da FGV-SP e da FEA-USP, é autora do livro "Economistas no Governo: Democracia e Gestão Econômica" (editora da Fundação Getúlio Vargas) e organizadora do livro "Os anos FHC: O Estado numa Era de Reformas" (no prelo).

Fernando Luiz Abrucio, 35, doutor em ciência política pela USP, professor da FGV-SP e da PUC-SP, é colunista político do "Valor" e organizador do livro "Os anos FHC: O Estado numa Era de Reformas" (no prelo).


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