São Paulo, quarta-feira, 06 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

A história se repete

Os tempos são outros, o país é diferente, mas, a cada evento político, mais semelhante fica o momento histórico atual com a Velha República. A Nova República surgiu em reação a um modelo conservador-centralizador que fazia água por todos os poros -como a Proclamação da República em relação à Monarquia. Seguiu-se um governo egresso do regime anterior, de composição, sem condições de definir de imediato um novo pacto político, lançando o país em uma crise -Deodoro e Sarney. É sucedido por um governante de perfil forte, autoritário, que se incompatibiliza politicamente com as forças dominantes -Floriano e Collor.
Na seqüência, a crise financeira do Estado é debelada à custa de forte arrocho fiscal, que poupa os credores externos, mas contingencia todas as verbas que deveriam voltar na forma de serviços à população -Campos Salles e Fernando Henrique Cardoso. A legitimação desse modelo se dá por meio de economistas formados em universidades norte-americanas, com pouca identificação com o país e forte ligação com grupos brasileiros internacionalizados, detentores do capital rentista -os "financistas" do início do século, os economistas do Real, do final.
A grande força da economia reside nesse capital rentista, que migra do país em períodos de turbulência e retorna sob a capa de instituições estrangeiras -os financiamentos britânicos no início do século, os fundos "offshore" no final do século.
Essa arbitragem proporciona lucros fantásticos e emperra qualquer tentativa de estabilizar o câmbio, deixando a economia à mercê de flutuações cambiais que, ciclicamente, jogam o país em crises que obstruem o processo de desenvolvimento.
Por outro lado, lá como cá, o mundo atravessa forte fase de liquidez financeira e de inovações tecnológicas. A liquidez fortalece a posição dos rentistas. As inovações tecnológicas, a estagnação local e a comparação com a pujança de outros países -com o Japão e a Argentina no início do século, com a China e os asiáticos no fim- criam um desconforto interno crescente.
As novas idéias começam a ganhar corpo, mas não conseguem penetrar na couraça dos partidos existentes, presos ao imediatismo da governabilidade. O que acaba predominando é o pacto de coronéis, com o partido no poder fechando acordos com coronéis, utilizando os recursos federais para consolidar alianças regionais que garantam a perpetuidade do poder -Fernando Henrique Cardoso e Lula.
Na primeira metade do século, a falta de visão de futuro do sistema político resultou no movimento tenentista e na intervenção do Exército -desde a Guerra do Paraguai, a única organização em que predominava o profissionalismo, a meritocracia e a visão estratégica de país.
Os tempos são outros, e o governo Figueiredo conseguiu desmoralizar o papel dos militares na condução política do país -o que foi bom-, mas também os valores desenvolvimentistas que abraçavam -o que foi mau.
O grande enigma é sobre quando e, principalmente, como será rompido esse nó górdio político do país.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Saiba mais: Tributos devem levar R$ 3.589 de cada contribuinte
Próximo Texto: Preços: Inflação de setembro recua e fica na metade do previsto
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.