São Paulo, sábado, 06 de outubro de 2007

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ARTIGO

Déficit menor nos EUA pode remodelar negócios globais

Exportações americanas estão crescendo a um ritmo quase três vezes superior ao das importações, o que levou o déficit comercial a cair de 7% para 5% do PIB

JIM O'NEILL
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

EM MEIO a tanta preocupação com a crise das hipotecas "subprime", seu contágio para o dinheiro grande e os mercados de crédito e o temor de uma recessão total nos Estados Unidos, os sinais de uma grande melhora na balança exterior estão recebendo muito pouca atenção. O déficit comercial dos Estados Unidos poderia estar desaparecendo?
Os últimos dados mensais mostraram que o déficit comercial dos Estados Unidos estava em cerca de US$ 59 bilhões. Em uma base anualizada, isso é pouco mais de 5% do PIB, uma melhora em relação aos 7% de pouco tempo atrás. Nos detalhes também há alguns sinais marcantes.
O crescimento das exportações está perto de 14,8% ano a ano, enquanto o crescimento das importações está em "apenas" 5,1%. As exportações estão aumentando em um ritmo que é quase o triplo das importações. Isso é quase inédito para os EUA - exceto quando o país se livrou brevemente de seus déficits externos no final dos anos 1980. O antigo adágio de que as importações americanas são o dobro das exportações não é mais válido. Na verdade, as exportações estão perto de 70% das importações.
No atual ritmo de crescimento relativo das exportações e importações, em mais 12 meses o déficit poderá cair abaixo de 4% do PIB. Talvez esteja na hora de perguntar o inimaginável: "O que acontecerá se ele desaparecer de novo?"
Se isso acontecesse, levantaria diversos problemas para a economia mundial, entre eles sua dependência do consumidor americano, a excessiva confiança nas exportações para os EUA, o futuro desempenho do dólar e as relativas oportunidades econômicas e de investimento no mundo.
Com relação ao consumidor americano, muitas pessoas temem há anos que em 70% do PIB só haveria um rumo para as grandes tendências de consumo no país.
Para a balança comercial seria uma boa notícia. Se as conseqüências dos problemas imobiliários nos EUA se disseminarem, como parece provável, é altamente provável que o crescimento das importações desacelere ainda mais. Se o crescimento das importações chegasse a zero, e se o crescimento das exportações ficasse perto de 15%, o déficit comercial chegaria perto de 3% do PIB dentro de um ano.
Para muitos analistas, a barreira de 3% seria um importante limite para a balança de pagamentos mais ampla e até para o dólar. Parece estranho, depois de um significativo corte de juros nos EUA, escrever sobre um futuro mais brilhante para as verdinhas. Mas com o dólar acima de US$ 2 em relação à libra e cerca de US$ 1,40 por euro, a perspectiva de o déficit comercial americano voltar a cair abaixo de 3% do PIB sugere que isso não deve ser descartado. Um mundo em que a balança externa dos EUA estivesse abaixo de 3% do PIB não seria tão interessante para um urso dólar, me parece.
Os ursos econômicos do mundo dizem que os EUA representam um terço do PIB global, e como o consumidor está finalmente morrendo o fim do mundo está próximo. Não é mais o caso. É por isso que as exportações americanas estão crescendo tão perto dos 15%. O mundo está mudando. As vendas no varejo na China aumentaram 17,1% em julho, mais de cinco vezes a taxa de crescimento dos EUA. Enquanto a China é "apenas" 6 a 7% do PIB mundial, as vendas no varejo chinesas já contribuem com o mundo tanto quanto as dos EUA. Os outros países "Bric" - Brasil, Rússia e Índia - também estão experimentando um crescimento de dois dígitos nas vendas no varejo.
Enquanto os exportadores para os EUA sem dúvida terão um futuro menos agradável que o passado, os países e as companhias realmente bons em exportações já sabem disso há algum tempo. Os Brics representam hoje de 15 a 16% do PIB global, cerca de metade da parcela dos EUA. O aumento dos gastos de seus consumidores é de mais de 10% coletivamente, mais que o dobro do dos EUA.
Eles já estão mudando de marcha. Sejam japoneses, coreanos, alemães ou até as próprias multinacionais baseadas nos EUA, o setor de consumo está mudando rapidamente. Os investidores precisam acompanhar, porque as empresas já estão.
Enfrentamos um futuro econômico excitante, embora desafiador, que vai ajudar os EUA assim como o resto de nós. O mundo não acabou, nem vai acabar.
O déficit comercial dos EUA poderá não desaparecer completamente, mas um grave risco que paira sobre o mundo está melhorando de maneira drástica e agradável.


JIM O'NEILL é diretor de pesquisa econômica global no Goldman Sachs.

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES


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