São Paulo, quinta, 6 de novembro de 1997.




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OPINIÃO ECONÔMICA
Fuga à responsabilidade

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Diante do agravamento do quadro econômico brasileiro e da necessidade de recorrer a um doloroso aumento das taxas de juros, o governo federal vem fazendo um grande esforço de marketing para isentar-se de responsabilidade. Os dois alvos básicos do escapismo oficial são a crise financeira "global" e o Congresso, que não vota as reformas supostamente salvadoras.
Procura-se, assim, evitar que a opinião pública perceba, com clareza, a conexão entre os problemas financeiros atuais e as decisões e omissões da política econômica dos últimos anos. Com tudo que aconteceu nas Bolsas de Valores do mundo, o Brasil não estaria na situação em que se encontra se o governo não tivesse adotado decisões temerárias, especialmente na fase inicial do Plano Real.
Ao combinar substancial e persistente valorização cambial com uma ampla abertura às importações, o governo produziu forte aumento da vulnerabilidade do país e da sua dependência financeira externa. Também não houve um esforço suficiente em termos de ajustamento das contas públicas em todos esses anos.
Pois bem. Os riscos resultantes da política econômica brasileira agora se materializaram. As consequências estão sendo ou serão sentidas na forma de instabilidade financeira, juros estratosféricos, desaceleração econômica, desequilíbrios fiscais e desemprego crescente.
Não se pode dizer que tenha sido por falta de aviso. Economistas das mais variadas tendências teóricas e ideológicas advertiram, durante anos, para os riscos a que estava sendo exposto o país. As críticas e advertências eram respondidas de modo arrogante ou irônico. Uma autoridade da área econômica chegou a declarar que o Brasil não precisava de alertas...
Por esses e outros motivos, o governo Fernando Henrique Cardoso não tem como escapar da responsabilidade pelo que está acontecendo com a economia do país.
Mas é claro que vão tentar todo tipo de manobra e evasivas. Com a cobertura de uma parte significativa da mídia, já escalaram a "globalização" ou o capital especulativo "globalizado" como um dos responsáveis pelas nossas agruras. Faltou explicar por que a incidência da crise varia tanto de país para país. Nos países mais sólidos e com políticas mais adequadas, a instabilidade ficou circunscrita basicamente às Bolsas de Valores. Só nos países mais vulneráveis e submetidos a políticas temerárias é que a situação macroeconômica degenerou rapidamente.
Também não convence a tentativa de transferir a responsabilidade para o Congresso. A vulnerabilidade do Plano Real não pode ser debitada à lenta tramitação das reformas constitucionais. Ninguém pode, em sã consciência, imaginar que as reformas administrativa, previdenciária ou tributária sejam capazes de resolver os problemas provocados pela sobrevalorização cambial. Mesmo no que diz respeito ao déficit fiscal, essas reformas têm pouco ou nenhum efeito no curto e médio prazos.
Ao contrário do que se quer fazer crer, a correção dos desequilíbrios das contas externas e das contas públicas depende essencialmente da iniciativa do próprio Executivo, da sua disposição para enfrentar as medidas politicamente difíceis que o ajustamento econômico requer.
Vale a pena recordar o que declarou o próprio presidente da República em entrevista nas páginas amarelas da revista "Veja", publicada no dia 9 de abril deste ano: "Desde o começo me bati com a equipe econômica para não dar tanta ênfase à necessidade das reformas constitucionais. Elas são importantes, mas dizer que o Real depende delas é mentira".
Vejam bem: "Mentira". O presidente ainda acrescentou: "As reformas não representam solução a curto prazo, são importantes do ponto de vista da organização do Estado ao longo do tempo. Mas, por motivação ideológica, a equipe econômica queria as reformas, insistia no assunto".
Seja como for, o governo não pode atribuir ao Congresso, e muito menos aos partidos minoritários da oposição, a exclusiva responsabilidade pela lenta tramitação das reformas constitucionais. A reforma do capítulo tributário da Constituição, por exemplo, encaminhada pelo Executivo em 1995, ficou parada no Congresso sem que o governo se empenhasse em apressar sua tramitação.
Em setembro último, o Ministério da Fazenda divulgou as linhas gerais de uma nova versão da reforma tributária, bastante diferente da anterior, mas ainda não apresentou os atos legislativos correspondentes ao Congresso.
Portanto, vamos parar com essa conversa fiada. Todos sabemos que quando o governo realmente quer fazer passar algo no Congresso, e se empenha para isso, acaba conseguindo seu intento.
Quem não se lembra da emenda constitucional da reeleição e do comovente esforço do governo em acelerar a sua tramitação? Se o governo tivesse tido preocupação semelhante com as outras emendas constitucionais, o quadro seria completamente diferente. De qualquer maneira, em geral, é na própria base governista que se localizam as resistências mais significativas à aprovação das reformas constitucionais que o Executivo deseja ou diz desejar.
O agravamento da situação econômica já não permite prolongar a temporada de escapismo e evasivas. Está mais do que na hora de o governo federal assumir as suas responsabilidades e tomar as providências necessárias para tirar o país da difícil situação criada pelas políticas econômicas dos últimos anos.


Paulo Nogueira Batista Jr., 42, professor da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail pnbjr@ibm.net



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