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Crash e verdades que o presidente FHC esconde
ALOYSIO BIONDI
Como previsível, o presidente
Fernando Henrique Cardoso e
sua equipe tentam responsabilizar as oposições pela crise do
Real, afirmando que ela teria
sido evitada com as célebres
"reformas". Alega, ainda, que o
crash nas Bolsas foi parte de um
ataque especulativo contra o
real, possibilitado e/ou decorrente da globalização e interligação de mercados.
A tentativa presidencial de
crucificar as oposições, o Congresso, perante a opinião pública, exige reflexão profunda por
parte dos meios de comunicação -que, se a endossarem, estarão abrindo caminhos perigosos para a democracia no Brasil.
Não há um só ponto de verdade nas versões do Planalto para
a crise. Na enxurrada de informações dos últimos dias, alguns
pontos não ficaram claros para
a opinião pública, ou foram
mesmo ignorados:
1. O "estouro" - o Brasil está
"quebrado" há muito tempo,
em suas contas externas (como
esta coluna cansou de demonstrar). E, para este último trimestre -dado estranhamente
ausente das análises sobre o
pretenso "ataque" contra o
real-, precisavam ser pagos
nada menos de US$ 8 bilhões a
US$ 9 bilhões em empréstimos
de um ano (bônus) tomados por
empresas brasileiras. Em períodos normais, esses empréstimos
seriam renovados. Mas, com o
rombo violento das contas externas brasileiras, era inevitável que os banqueiros internacionais dissessem "não".
2. Hong Kong - um "paraíso"
vítima dos especuladores, como
se diz? Não. Também apresenta
um rombo de nada menos de
US$ 20 bilhões em sua balança
comercial (exportações menos
importações), por ano. Da mesma forma, a badalada Coréia
do Sul: rombo de US$ 16 bilhões
na balança comercial. Em resumo: não há "ataque", ou só há
"ataque" quando o país gasta
(importa) mais do que ganha
(exporta) e vai ficando endividado, com falsas "reservas". Os
banqueiros fecham as portas do
cofre. Não é "ataque". É "quebra", mesmo.
O presente - 1
Com o "não" dos banqueiros,
surgiu também a fuga de dólares. O governo FHC elevou os
juros, para tentar segurá-los,
prevendo-se que a medida reduzirá o consumo, as vendas, a
produção. Num raciocínio manipulado, as oposições, o Congresso, vão surgir, perante a
opinião pública, como responsáveis não apenas pelas ameaças ao Real -mas também pela "crise econômica" provocada
pelos juros. Ora, a economia
brasileira já está destroçada
-com ou sem crash.
O presente - 2
Para avaliar a gravidade da
situação da economia brasileira, bastam os dados estatísticos
relativos a três setores, que não
ganharam uma linha sequer na
primeira página dos jornais,
apesar de sua importância (ou
exatamente por causa de sua
importância...).
Em São Paulo, em outubro, o
número de carnês em atraso
voltou a bater todos os recordes, com 331 mil registros de
inadimplentes no mês. Média
de antes do Real: 70 mil. No
setor de supermercados, as vendas continuam a recuar: 7% sobre setembro de 1996 -e nada
menos de 8,7% no acumulado
do ano. Comida, aquilo que se
dizia que o povo estava comprando.
E, na área da casa própria,
pouco mais de 10% das 150 mil
pessoas que se inscreveram para obter a carta de crédito da
Caixa Econômica Federal acabaram fechando o contrato: desistiram, por falta de dinheiro.
O setor de construção sofre.
O futuro
As "reformas" podem cortar
os gastos do governo. Em reais.
Mas o problema do Brasil, como de Hong Kong ou Coréia, é
o gigantesco rombo -em "dólares". Provocado, no caso do
Brasil, pelo escancaramento às
importações.
Elevar os juros, para atrair
"empréstimos", não elimina o
"rombo". Apenas o disfarça.
Temporariamente. Daí, novos
"ataques". Desvalorizar o real,
na tentativa de aumentar as
exportações, também é o caminho errado para reduzir o déficit da balança comercial.
O governo FHC precisa rever,
de alto a baixo, o "antimodelo"
econômico que adotou, e que
resultou em importações maciças (até 87% de peças importadas, no caso de alguns produtos
de telecomunicações). Aumentar as tarifas (impostos) de importação, reduzidas irresponsavelmente pela equipe FHC, é a
única opção. Ou novos crashs,
cada vez mais insustentáveis,
surgirão. E ataques. Verdadeiros.
Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico.
Foi editor de Economia da Folha. É diretor-geral do grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.
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