São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Relações maduras

ALOIZIO MERCADANTE

A Cúpula das Américas de Mar del Plata cria oportunidade para a discussão da política hemisférica brasileira e, particularmente, das relações bilaterais Brasil-Estados Unidos. Infelizmente, o debate sobre esses temas vem sendo distorcido por avaliações mal-informadas. Tais avaliações colocam ênfase num presumido caráter "ideológico" da política externa do governo Lula e no seu suposto "antiamericanismo".
O principal argumento que embasa a crítica ao "antiamericanismo" do governo refere-se ao enrijecimento nas negociações da Alca. Ora, o governo rejeitou a proposta da Alca "ampla" dos EUA porque considerou que ela colocava ênfase negociadora em temas do interesse norte-americano, como serviços, compras governamentais e investimentos, mas não em assuntos do interesse brasileiro, como agricultura e antidumping, os quais ficariam para serem negociados na OMC. A proposta da Alca light foi resposta racional a esse impasse negociador. Porém indivíduos presos ao esquema mental da Guerra Fria vêem "antiamericanismo" na proposta brasileira. Ignoram que o impasse verificado na Alca se repete na OMC e nas negociações entre o Mercosul e a União Européia. Nossos interesses são defendidos com igual ênfase em todas as frentes negociadoras.
Na realidade, as relações Brasil-EUA estão num nível muito bom. Os pontos de confluência estratégica superam, com folga, as áreas de atrito. Sob a perspectiva econômico-comercial, é preciso considerar que os EUA são o nosso principal parceiro desde a Segunda Guerra. Nos últimos dois anos, o comércio bilateral cresceu em torno de 22%, apesar das restrições impostas por subsídios agrícolas, medidas antidumping e picos tarifários ainda em vigor. Acrescente-se que os EUA são o país que mais importa produtos manufaturados do Brasil. Em relação ao fluxo de capitais, deve-se mencionar que o Brasil é destinatário de mais de um terço dos investimentos diretos norte-americanos em indústrias, na América Latina e no Caribe. Os interesses econômicos recíprocos são, portanto, significativos e crescentes.
Já do ponto de vista geopolítico, a liderança do Brasil na América Latina, dinamizada no governo Lula, vem tendo influência moderadora na região e cria interface importante para as políticas externas de ambos os países. Não há mais alinhamentos automáticos, mas sinergia de interesses independentes. Tal sinergia não implica, porém, concordância plena. O Brasil defende que ações internacionais tenham de se dar no marco do multilateralismo e com base no respeito incondicional à soberania dos Estados. É em razão dessa filosofia que o Brasil liderou a missão da ONU no Haiti, mas condenou a intervenção no Iraque. Nesse sentido, a influência brasileira funciona como contrapeso regional ao unilateralismo.
Brasil e EUA têm, hoje, parceria madura, baseada em amplas confluências econômicas e diplomáticas, que convive bem com as divergências normais que ocorrem entre países independentes. Todavia, a Cúpula e a visita de Bush poderão desencadear processo de maior aproveitamento do enorme potencial que as relações bilaterais Brasil-EUA possuem.


Aloizio Mercadante, 51, é economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e líder do governo no Senado Federal.

Internet: www.mercadante.com.br

E-mail -
mercadante@mercadante.com.br


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