São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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VENEZUELA

Apesar da alta do preço do barril, efeitos da crise política, má administração e falta de transparência ameaçam setor

Indústria do petróleo regride sob Chávez

DO "FINANCIAL TIMES"

Por boa parte da história moderna da Venezuela, o destino econômico do país acompanhou de perto os altos e baixos do petróleo. Afortunadamente para o presidente Hugo Chávez, seus quase sete anos no posto coincidiram com uma alta firme no preço do petróleo cru. Neste ano, a exportação de petróleo deve bater um recorde histórico, atingindo os US$ 34 bilhões, um terço acima dos US$ 26 bilhões registrados no ano passado.
O boom permitiu que Chávez acelerasse os gastos públicos. De acordo com o banco central venezuelano, os dispêndios operacionais do governo aumentaram em 45% em agosto em termos nominais, o equivalente a 30% em termos reais. Isso permitiu que ele sustentasse sua popularidade dedicando bilhões de dólares a programas, conhecidos como "misiones", que fornecem serviços gratuitos de saúde nos "barrios", aulas de alfabetização para a terceira idade e outros serviços.
Chávez diz que o país está à beira de uma nova era do ouro, e dirigentes da estatal Petroleos de Venezuela (PDVSA) estão contratando consultores e geólogos para recalcular as dimensões das reservas nacionais.
A Venezuela tem os maiores depósitos de hidrocarbonetos das Américas. Mas, se os depósitos de petróleo ultrapesado forem avaliados devidamente e incluídos no total de reservas, insiste o governo, seria possível atribuir ao país a maior reserva mundial, o que teoricamente permitiria que negociasse uma conta maior de extração com a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).
Um cálculo como esse pode mascarar diversos problemas fundamentais. Roger Tissot, analista da consultoria PFC Energy, sediada em Washington, para o mercado da América Latina, considera que a Venezuela está longe de ser capaz de fornecer mais petróleo, não importa que dimensões tenham suas reservas. "Na verdade, não importa que a Venezuela alegue ter as maiores reservas do mundo", afirma Tissot. "Isso é irrelevante porque eles já vêm extraindo em plena capacidade", completa.
Funcionários do governo venezuelano dizem que o país está extraindo 3,4 milhões de barris ao dia, mas especialistas e a própria Opep calculam que o número real é de por volta de 2,6 milhões de barris. Vítima de batalhas políticas e má administração, a produção de petróleo da PDVSA despencou nos três últimos anos.
Como punição por uma greve, no final de 2002, Chávez demitiu quase 20 mil trabalhadores da empresa, com experiência média de 15 anos. Os substitutos não foram capazes de administrar de maneira adequada os poços e demais instalações petroleiras da empresa.
Quase todo mês surgem notícias de paralisação da produção de petróleo em uma refinaria devido a incêndio ou acidente. "Não se pode abandonar do dia para a noite um total acumulado de 300 mil anos de experiência e substituir os demitidos por outras pessoas, muitas das quais apontadas por razões políticas, sem que isso acarrete problemas", disse José Toro Hardy, consultor do setor petroleiro e ex-diretor da PDVSA. Mas o mais notável é que restrições orçamentárias estão agravando os problemas de produção. Por meio do uso de fundos opacos e sem finalidade específica, Chávez vem desviando dinheiro que de outra forma seria usado em manutenção para bancar suas "misiones". A PDVSA canalizou US$ 4,4 bilhões para "gastos sociais" no ano passado, total superior aos US$ 3 bilhões investidos em manutenção de poços e outros ativos, de acordo com documentos que apresentou à Securities and Exchange Commission (a SEC, agência federal norte-americana que regulamenta e fiscaliza os mercados de valores mobiliários). Os críticos da atuação da empresa alegam que ela deveria investir muito mais em seus poços de petróleo para impedir uma queda na produtividade.
Além disso, a despeito do boom de preços, a receita tributária gerada pela PDVSA parece estar caindo como porcentagem do total arrecadado nacionalmente. No Orçamento do ano que vem, a expectativa é a de que o setor não-petroleiro, muito mais fraco, responda pela maior parte da arrecadação fiscal.
O problema é que boa parte do superávit registrado pela PDVSA é controlado pessoalmente pelo presidente. O Orçamento do ano que vem se baseia em um preço de apenas US$ 26 por barril para a cesta de petróleos pesados exportada pela Venezuela. Ainda que o petróleo do país seja negociado por preço cerca de US$ 10 por barril inferior ao padrão West Texas Intermediate, a referência para o petróleo cru, os economistas alegam que a estimativa modesta tem um motivo principal: quanto mais baixo for o valor estimado, maior a margem disponível para gastos determinados pelo presidente. Toby Bottome, editor do boletim noticioso "Venecomy", afirma que "os números do Orçamento não têm relação com a realidade".
Enquanto a produção da PDVSA cai, o volume produzido pelas empresas estrangeiras de petróleo está aumentando. No entanto, esse lado do mercado também pode estar em risco. À medida que o preço do petróleo sobe, o governo tenta aumentar sua participação nessas receitas. Nos 12 meses passados, Chávez impôs aumentos nos royalties e nas alíquotas tributárias que incidem sobre as operações de petróleo de empresas estrangeiras. Agora, o governo quer ir mais adiante.
A nova exigência é a de que as multinacionais convertam seus contratos operacionais, assinados na metade dos anos 90, em joint ventures nas quais o Estado detenha participação majoritária. Rafael Ramirez, ministro da Energia, afirmou recentemente que o Estado pode assumir participação acionária de até 80% em 32 projetos que no momento são tocados com base em acordos operacionais com a PDVSA, mas terão de ser convertidos em joint ventures até 2006.
As operações envolvidas produzem cerca de 500 mil barris diários. Empresas como ChevronTexaco, ConocoPhilips and TotalFinaElf poderiam sofrer alterações em suas classificações de crédito, caso suas operações venezuelanas sejam convertidas em joint ventures. Orlando Ochoa, um economista de Caracas, diz que as mudanças constantes na estrutura jurídica, a instabilidade política de Chávez e o caos administrativo conspiram para que a Venezuela não possa explorar plenamente suas riquezas energéticas. "O clima gerado pelas experiências de Chávez com o socialismo do século 21 não é o correto para propiciar o nível de investimento necessário", afirmou.

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