São Paulo, sexta-feira, 06 de novembro de 2009

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ANÁLISE

Lula reescreve o passado ao prever o futuro

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Êxitos e fracassos nacionais costumam ser explicados depois dos fatos consumados, dado que as ciências política e econômica são mais hábeis em interpretar o passado do que em prever o futuro.
México, tigres asiáticos, Argentina e Irlanda viveram períodos de rápido progresso e foram tidos como exemplos para os demais até serem devastados por crises em, respectivamente, 1995, 1997, 2001 e 2009. Depois, com os defeitos de todos devidamente listados, o passado se tornou previsível.
Apenas três anos atrás, analisava-se por que o Brasil era incapaz de expandir sua renda, mesmo em um cenário internacional tão favorável. Os dados de então mostravam que, no primeiro mandato de Lula, o crescimento do PIB havia sido o menor entre as 25 principais economias emergentes.
Havia um diagnóstico dominante: sofriam-se as consequências de um Estado hipertrofiado, que drenava a escassa poupança privada e impunha carga tributária prejudicial às exportações e aos investimentos; os gastos sociais eram mal direcionados por privilegiar em excesso as aposentadorias; o ambiente institucional era desfavorável aos negócios.
Não era discurso de uma suposta oposição neoliberal -as teses foram encampadas pelo governo petista, que apresentou projetos de reformas previdenciária, tributária, das agências reguladoras, para limitar os reajustes do mínimo e conter gastos com pessoal.
No segundo mandato de Lula, os números do PIB passaram por uma revisão retroativa, e o passado não pareceu mais tão ruim; vieram dois anos de bom crescimento, 2007 e 2008, um 2009 menos ruim que o da maioria e expectativas de um próspero 2010. O Brasil agora está na moda, e há um sucesso a ser explicado.
Certamente a explicação não será a superação dos defeitos de antes. De lá para cá, a carga tributária cresceu, o gasto com previdência e pessoal cresceu ainda mais e a dívida do governo está em alta neste ano; as reformas pararam, o PAC não cumpriu suas metas e o país ocupa o 56º lugar no ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial.
Mais simples é permitir uma leitura mais otimista dos feitos do período, o que não vale só para a retórica política local. O Banco Mundial, por exemplo, que em 2007 classificou de "medíocre" e "desapontador" o desempenho brasileiro contra a pobreza, neste ano publicou estudo em que cita o país, ao lado de China e Índia, como paradigma global nessa luta.
Lula tira partido desses humores volúveis e tanto prevê um futuro brilhante quanto formula o passado mais conveniente para explicá-lo, de Estado forte, Luz para Todos, Bolsa Família. E terá razão enquanto não for necessário recordar os antigos motivos de fracasso.


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