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OPINIÃO ECONÔMICA
Câmbio, autoritarismo e simplismo
MAILSON DA NÓBREGA
O Programa de Estabilidade
Fiscal, anunciado na semana
passada, reacendeu o bom debate sobre o câmbio, mas também
promoveu o reaparecimento de
visões autoritárias e simplistas
do processo decisório em uma
sociedade democrática.
O bom debate esteve a cargo da
corrente que defende a desvalorização cambial. Coerentes, seus
integrantes condenaram o programa. Com argumentos extraídos de sua própria tese, procuraram mostrar que a desvalorização evitaria grande parte das
medidas.
Se desvalorizasse, diz-se, os juros, a grande fonte do déficit público, poderiam cair imediatamente. Juros baixos impulsionariam a economia. Haveria aumento da atividade econômica,
do emprego e da arrecadação. O
déficit despencaria sem sacrifícios.
O raciocínio quanto ao efeito
da desvalorização no aumento
da receita contém defeitos que
procurei mostrar em meu artigo
de 28/8/98, neste espaço.
Quanto à desvalorização, um
argumento muito usado é que
podemos fazê-la sem riscos, pois
dispomos de mais de US$ 40 bilhões de reservas, que serão reforçadas pelo acordo com o FMI.
Ruim seria desvalorizar quando
as reservas se exaurissem.
Não há, todavia, experiência
recente desse tipo de desvalorização. Os casos mais conhecidos
são os de países como México e
Tailândia, do lado dos emergentes (que desvalorizaram quase
sem reservas), e Inglaterra, Suécia, Canadá, Austrália e outros,
do lado dos desenvolvidos (ou
"brancos", como diz Paul Krugman).
No primeiro grupo, a desvalorização produziu resultados negativos do lado da inflação e do
PIB. No segundo, restaurou as
condições para o crescimento
sem inflação. No Brasil, pode ser
uma coisa ou outra.
Na dúvida, nenhum governo
sério desvalorizaria, muito menos neste grave momento de crise. Melhor é buscar o ajuste fiscal
e obter apoio internacional para
atravessar a turbulência sem
uma crise cambial desestabilizadora.
Se o Congresso aprovar as medidas, como se espera, a mudança no regime fiscal começará a
acontecer juntamente com a
provável ressurreição do apetite
dos investidores pelo risco em
países como o Brasil, agora mais
fortalecido em seus fundamentos.
Aí, sim, haveria condições para mudar o regime cambial, provavelmente partindo-se para a
flutuação dentro de uma banda
mais larga. Dificilmente, pois, o
governo cederá às propostas em
favor da desvalorização, apesar
da qualidade dos nomes que a
defendem.
Em meio a esse debate, os autoritários -a versão brasileira
do cesarismo e do gaulismo- lamentaram que o presidente tenha proposto o aumento de impostos. Isso teria acontecido porque as reformas não foram feitas
há mais tempo.
Diz-se que FHC errou ao não
ter feito todas as reformas no
primeiro ano de governo. Pior,
abandonou as reformas para
cuidar apenas da reeleição.
Mais: não fez as reformas porque
não quis, pois, "sempre que quer,
consegue apoio do Congresso",
como na reeleição. Bastaria,
pois, "vontade política".
Nenhuma estratégia de reforma sob regime democrático pode
deixar de considerar a extensão
das decisões a tomar, a eficiência
decisória do sistema político e os
riscos de sobrecarga e paralisia.
O Brasil é um país complexo,
com agenda ciclópica de reformas e partidos excessivamente
fragmentados. Se entupisse o
Congresso de projetos, fiando-se
essencialmente no seu prestígio
político, FHC colheria paralisia
em lugar de reformas.
Deve-se lembrar, ademais, que
o presidente toma posse com o
Congresso antigo, pois o novo
inicia seus trabalhos no mês de
março seguinte.
Sobre a reeleição, sua rápida
aprovação não se deveu a um suposto abandono das reformas,
mas à natureza plebiscitária da
proposta.
Tratava-se de permitir a recandidatura do líder de um projeto vencedor. Praticamente não
havia interesses eleitorais a contrariar. Já as reformas são empreendimento complexo, que
contraria poderosos grupos de
interesse.
A idéia de que basta "vontade
política" traduz a rigor uma demanda de um estilo voluntarista
que costuma não dar certo ou
descambar em ditadura.
A crítica mais simplista é a que
atribui ao atual governo o erro
de não ter feito antes a reforma
fiscal.
A facilidade com que se usa a
expressão "reforma fiscal" entre
nós desconhece a enorme complexidade do tema. É como se
fosse algo simples, que se pode
obter em um fechar e abrir de
olhos, ao toque de um botão em
um painel eletrônico.
O presidente venceu, errou
muitas vezes e foi derrotado outras tantas na condução das reformas. As razões estão bem longe dessas simplificações da realidade.
Mailson da Nóbrega, 56, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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