São Paulo, sexta, 6 de novembro de 1998

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LUÍS NASSIF
O risco da sarneyzação de FHC

Nas próximas semanas é possível que o mercado atravesse uma fase de alívio. Assinatura do acordo com o FMI, aprovação de algumas reformas, penalização de funcionários públicos ativos e inativos, cortes na saúde e na educação, restrição total ao crédito interno. Todos esses atos são recebidos como "heróicos" pela comunidade financeira internacional, e seus autores, tratados como estadistas. É possível se aguardar, inclusive, alguma volta de recursos à Bolsa de Valores.
Há duas maneiras de encarar a trégua. Uma, é considerar que a crise está superada. Outra, é aproveitá-la para enfrentar definitivamente a crise. O que de pior poderia acontecer com o país, agora, seria a celebração da redução das saídas cambiais como vitória final.
Nos últimos quatro anos, o país se comportou como a empresa deficitária, mas que possui crédito na praça e patrimônio para ser gasto. O patrimônio se foi e o crédito acabou. Estatais acumuladas ao longo de décadas, que poderiam ter servido para financiar a nova etapa de crescimento, foram consumidas no pagamento de juros.
Agora, com o país quebrado, conseguiu-se a ampliação no cheque especial, junto ao FMI. É o último estoque de dinheiro para ser queimado. Se forem repetidos os mesmos erros de 1995 e 1997, não haverá nova chance.
A primeira precaução a se tomar é levantar barreiras à volta do capital especulativo. Fechado o acordo com o FMI, haverá saldo em caixa para minimizar os riscos de "default" no curto prazo. Esse fato poderá ser um estímulo à volta dos capitais especulativos.
A crise recente revelou que a manutenção irresponsável desses US$ 20 bilhões a US$ 30 bilhões de dinheiro arisco nas reservas gerou dois problemas cruciais para o país. O primeiro, a elevação substancial da dívida interna, devido aos juros pagos para atraí-los. O segundo, a crise de credibilidade, que a fuga indiscriminada desses capitais ajuda a potencializar. Manter US$ 70 bilhões em reservas, sendo US$ 30 bilhões de capitais especulativos, foi muito pior do que ter permanecido com US$ 40 bilhões em reservas de capital bom.
A segunda preocupação é que o ajuste fiscal não é saída para a solução das contas externas brasileiras. A redução dos déficits comerciais será conseguida à custa de uma recessão cavalar. Só que é a teoria da mola. Tirou o peso de cima, a mola volta a se estender. A não ser que se queira entrar o milênio com o país imerso em recessão, não se alcançou a solução auto-sustentada.
² Romper impasses
O problema crucial dessa travessia é que a atual equipe econômica esgotou seu estoque de alternativas para a crise. Há uma incapacidade atroz de pensar saídas fora do convencional.
A começar pelo próprio presidente da República, qualquer tentativa de romper com uma inércia que aprofunda dia a dia à crise é espantada por temores do que possa vir a acontecer. Como se, não acontecendo nada, a crise fosse esconjurada por si. O palpite de FHC é que se reduzir os juros imediatamente haverá uma fuga de dólares das reservas. Se ampliar a banda cambial, sobrevém uma crise mortal.
A situação é muito semelhante ao que ocorreu no início dos anos 90, com a entrada de Fernando Collor. Nesse sentido, o governo FHC corre o risco de sarneyzação, se não mudar rapidamente os rumos.
Na época, não se podia mexer nas aplicações ao portador, porque o dinheiro iria desaparecer do país. Não se podia alterar a política cambial, porque a crise seria inevitável. Não se podia abrir a economia, porque os capitais iriam desaparecer.
O governo se meteu no mesmo novelo de indecisões que paralisou completamente o governo Sarney, após o fracasso do Cruzado. Mas manteve- se coesa a base parlamentar ao preço de favores, não de projetos.
Mesmo com todos os seus defeitos, Collor rompeu com todos esses impasses, assumindo a estatura de estadista -que é justamente o governante que ajuda a apontar o novo rumo, quando o impasse paralisa a nação.
Não se vai sair dessa sem o concurso de pessoas que pensem de maneira diferente à crise. Permanecer nesse rame- rame de aumentar impostos, manter juros elevados, conseguir o derradeiro empréstimo, confiando que a natureza complete por si a obra de tornar o Brasil exportador, será a maneira mais completa de completar o ciclo do caos.
O presidente, que começou como a grande esperança reformadora do país, corre o risco de se tornar um novo Sarney se não seguir o último conselho dado por Sérgio Motta: "Não se apequene".
² Vereadores
A proposta do ainda senador Esperidião Amin, de estabelecer limites aos gastos das câmaras de vereadores, merecia ser ampliada. Deveria se abolir por completo as remunerações dos vereadores. Não há lógica vereadores sendo remunerados para participar de uma ou duas sessões por semana -como acontece na maioria absoluta dos municípios.
Hoje em dia, não existe pior balcão de negócios no setor público do que a Câmara de Vereadores. Quando a função passou a ser remunerada, atraiu um grupo enorme de aventureiros, afastando os cidadãos com vocação comunitária. As boas vocações políticas tornaram-se minoritárias. As vozes independentes que surgem numa Câmara servem apenas de álibi para que os negocistas ampliem seu preço.
E-mail: lnassif@uol.com.br



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