São Paulo, quinta-feira, 06 de dezembro de 2007

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Dom Luiz não pode morrer


É a 2ª vez que ele recorre à greve de fome para lutar contra a transposição das águas do rio São Francisco

HOJE É o décimo dia da greve de fome do bispo de Barra, dom Luiz Cappio. É a segunda vez que ele recorre a esse gesto extremo para lutar contra a transposição das águas do rio São Francisco. A primeira greve de fome, em setembro/outubro de 2005, durou 11 dias e foi encerrada por um acordo negociado pelo então ministro Jaques Wagner, atualmente governador da Bahia, em nome do presidente Lula.
Por esse acordo, o governo aceitou "prolongar o debate" sobre o projeto, "ainda na fase anterior ao início de obras, para o esclarecimento amplo de questões que ainda suscitem dúvidas e divergências".
Dom Luiz entende que o acordo foi descumprido. Em carta enviada na semana passada ao presidente da República, ele lembra que "o diálogo foi apenas iniciado e logo interrompido". Dom Luiz fez várias tentativas de retomar a discussão sobre o controvertido projeto. Em fevereiro deste ano, protocolou documento no Palácio do Planalto pedindo a reabertura e a continuidade do diálogo. A resposta foi o início das obras de transposição pelo Exército brasileiro.
O leitor pode imaginar o que é uma greve de fome? Quem quiser ter uma idéia pode ler a entrevista de dom Luiz à revista "Estudos Avançados" da USP ("O São Francisco, a razão e a loucura", jan./abr./ 2006, www.iea.usp.br/iea/revista). "É uma agressão tremenda", disse ele, "já que faz parte do instinto humano a preservação da vida. Só tendo uma convicção espiritual muito forte podemos vencer o instinto.
Os quatro primeiros dias são insuportáveis e muito dolorosos porque se tem a expectativa do organismo pelo alimento que deve receber, que vem de fora. Depois disso o organismo está psicologicamente preparado, pois sabe que não vai receber nada e passa a se autoconsumir. Você não sente tanto a necessidade do alimento, mas o enfraquecimento é visível e cada vez mais você percebe a debilidade em seu corpo. Começa a faltar a memória e aparecem as dificuldades de se locomover. Depois fiquei sabendo que, pelas previsões médicas, eu agüentaria apenas mais dez dias."
Mas a determinação de dom Luiz continuou inalterada. Ele avisou diversas vezes que voltaria ao jejum se o acordo de 2005 fosse descumprido. Na carta enviada na semana passada ao presidente Lula, disse que desta vez só suspenderá a greve de fome "com a retirada do Exército nas obras do eixo norte e do eixo leste e o arquivamento definitivo do projeto de transposição das águas do rio São Francisco" (a íntegra da carta e diversos outros documentos relacionados à luta de dom Luiz podem ser encontrados no endereço eletrônico www.umavidapelavida.com.br).
A morte dom Luiz seria uma imensa perda. O governo precisa escutar o seu apelo. Em artigo publicado na Agência Carta Maior, em março último, Leonardo Boff, que conhece dom Luiz há muitos anos, já advertira que, se o governo implementasse o projeto sem levar em conta a existência de alternativas que muitos especialistas consideram mais baratas e socialmente mais eficazes, "podemos contar com nova greve de fome do bispo".
E acrescentou: "Entre o povo que não quer a transposição e as pressões de autoridades civis e eclesiásticas, dom Luiz ficará do lado do povo. E irá até o fim. Então a transposição será aquela da maldição, feita à custa da vida de um bispo santo e evangélico. Estará o governo disposto a carregar essa pecha pelo futuro afora?".


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
pnbjr@attglobal.net


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