São Paulo, quinta, 7 de janeiro de 1999

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OPINIÃO ECONÔMICA

FMI como fachada

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Para subdesenvolvidos, como nós, nada mais instrutivo, nada mais revelador do que escutar o que dizem os desenvolvidos. Não quando se dirigem a nós -é claro-, mas quando conversam e brigam entre si sobre temas que também nos interessam. Nesses diálogos entre os ricos transparecem, não raro, aspectos cruciais das relações econômicas internacionais.
Vejam a questão do FMI, por exemplo. Valeria a pena sair da nossa habitual introversão e dar um pouco mais de atenção à intensa controvérsia, que está em curso nos países desenvolvidos desde fins de 1997, sobre o papel dessa instituição.
Dentro do establishment financeiro, político e acadêmico dos EUA e de outros integrantes do G-7, vozes de peso têm questionado os métodos, a estrutura e a própria existência do FMI. A intensidade dessas críticas obrigou o fundo e seus defensores, dentro e fora dos círculos governamentais, a sair da toca e a recordar ou explicitar questões que costumam ficar nas entrelinhas.
Por exemplo, o último número da prestigiada revista norte- americana "Foreign Affairs" (edição de novembro/dezembro) traz uma reveladora defesa do papel do FMI, visto pela ótica dos EUA. No artigo "O FMI, agora mais do que nunca", David Hale, economista-chefe do Zurich Group e consultor do Departamento de Defesa do governo dos EUA, explica ao leitor norte-americano o modo pelo qual essa instituição, que foi objeto de severas críticas em edições anteriores da revista, serve aos interesses do país.
Hale observa que, "embora o Fundo permaneça sob pesada influência dos Estados Unidos e de outros países do G-7, ele ainda oferece uma aparência de autonomia que torna as suas propostas politicamente mais aceitáveis para os tomadores de empréstimos". De fato, essa "aparência de autonomia" facilita a superação das resistências nacionais a políticas de abertura e liberalização defendidas pelos países que comandam o FMI.
Desde os tempos da Guerra Fria, os EUA têm utilizado o FMI como um instrumento da sua política externa, lembra Hale. "Os EUA têm moldado decisivamente a agenda do FMI", escreve ele, "exigindo a liberalização do comércio e do investimento em países que teriam de outra forma resistido à implementação dessas políticas por meio de canais bilaterais".
Depois do fim da Guerra Fria, os países centrais, particularmente os EUA, passaram a servir-se do FMI e de outras instituições multilaterais, como o Banco Mundial e a ONU, de maneira muito mais desinibida. A Coréia do Sul é um exemplo recente de como o FMI tem sido utilizado para fazer avançar os objetivos nacionais de países do G-7, ponto que já havia sido ressaltado em artigo publicado anteriormente pelo economista Martin Feldstein na mesma "Foreign Affairs" (edição de março/ abril de 1998).
Aproveitando-se da fragilidade financeira da Coréia, os EUA e o Japão valeram-se do FMI para extrair várias concessões do governo daquele país, entre elas diminuição de barreiras à importação de produtos japoneses específicos e uma ampla abertura do mercado coreano a investidores estrangeiros. Lawrence Summers, o subsecretário do Tesouro dos EUA, resumiu os acontecimentos com uma franqueza pouco habitual nas manifestações de funcionários governamentais: "O FMI fez mais para promover a agenda comercial e de investimentos dos EUA na Coréia do que 30 anos de entendimentos comerciais bilaterais".
Para um país do porte do Brasil, que tem inevitavelmente diversas divergências e pendências com os EUA e outros países desenvolvidos, a tutela do FMI pode acabar se revelando muito mais cara do que parece à primeira vista. Como ficarão, por exemplo, as negociações relativas à Área de Livre Comércio das Américas (Alca) agora que o governo brasileiro está de pires na mão, pendurado em empréstimos de emergência do FMI, dos EUA e de outros governos estrangeiros?
Por isso é que eu sempre digo e repito e insisto: o mais importante para o Brasil é trabalhar duro para diminuir o mais rapidamente possível a dependência financeira externa em que fomos lançados pela política econômica dos últimos anos.
P.S.: Depois dessa exortação ao trabalho duro, comunico, meio constrangido, que estou saindo de férias por um mês. Volto no início de fevereiro.


Paulo Nogueira Batista Jr., 43, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net




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