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ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Cui bono?
O crescimento da importação permitiu em 2006 queda mais forte do juro e, portanto,
expansão maior do consumo
NO DOMINGO, a Folha publicou uma reportagem sugerindo que as importações
teriam reduzido o crescimento do
PIB em 1,7 ponto percentual no
ano passado, pois parcela da crescente demanda doméstica teria sido atendida pelo aumento das importações em detrimento da produção nacional. Dessa forma, argumenta a reportagem, não fosse a
expansão das importações, o crescimento do produto em 2006 poderia chegar a 4,5%, contra os 2,8%
que se espera. Acredito, porém,
que o argumento seja falho: confunde contabilidade nacional com
análise econômica e, levado às últimas conseqüências, implica recomendações exóticas de política.
Nas contas nacionais, as importações aparecem com um sinal negativo: como a demanda doméstica
pode ser atendida pela produção
local ou pelas importações, um aumento destas, para um dado nível
de demanda, implica queda da produção local. Acontece, porém, que
-seja no Brasil, seja em qualquer
quadrante da galáxia- as importações apresentam tendência de
crescimento, o qual é deduzido do
aumento do PIB. Deveríamos concluir, portanto, que permitir o
crescimento das importações reduz o ritmo de expansão econômica? Vejamos o caso do Brasil.
Segundo o IBGE, as importações
cresceram em 11 dos últimos 15
anos. Vale dizer que, nestes 11
anos, houve uma contribuição negativa das importações para o PIB
na ótica das contas nacionais (média de -1,3%), enquanto nos quatro
anos restantes a queda das importações contribuiu positivamente
para o crescimento (média de
1,2%).
Assim, se o raciocínio por trás da
reportagem citada estivesse correto, deveríamos esperar que nestes
quatro anos o PIB tivesse crescido
em média mais que nos 11 anos de
importações em alta. No entanto o
crescimento médio nos anos em
que as importações aumentaram
foi de 3,3%; nos anos em que as importações caíram, foi de apenas
0,8%, precisamente o oposto ao sugerido pela visão contábil, o que
não ocorre por acaso.
De fato, o erro dessa ótica consiste em ignorar os efeitos das importações sobre preços, juros e câmbio
e, portanto, desprezar a reação dos
demais componentes da demanda.
Quando essas considerações são
trazidas à tona, percebe-se que o
crescimento das importações desempenha ao menos dois papéis
importantes para a expansão da
demanda, fora efeitos positivos
que possa ter sobre produtividade
e expansão da oferta.
O primeiro é relativamente fácil
de entender: a concorrência com
produtos importados ajuda a manter preços sob controle, trazendo a
inflação para baixo. O segundo,
mais complexo e importante, refere-se à liberação dos recursos (capital e trabalho) empregados nos
setores sujeitos à concorrência externa para a produção de outros
bens e serviços. Ambos os efeitos
contribuem para que a demanda
doméstica possa crescer de forma
mais vigorosa do que poderia na
ausência das importações, graças
às menores pressões inflacionárias.
Concretamente, o crescimento
das importações permitiu em 2006
queda mais forte da taxa de juros e,
portanto, uma expansão mais intensa de consumo e investimento
(a propósito, não sei de onde saiu o
cálculo apresentado na reportagem sobre o consumo aparente de
máquinas e equipamentos ter caído no ano passado: a produção de
bens de capital aumentou 5,7%, as
importações, 24%, e as exportações caíram 1%, o que matematicamente se traduz num aumento de
12% do consumo aparente).
Além disso, a recomendação de
política econômica que se depreende da noção de que a expansão das importações teria implicado menor crescimento do PIB é, no
mínimo, extravagante. Se isso fosse verdade, seria possível acelerar
o aumento do PIB reduzindo as
importações a cada ano. Dado, porém, que a importação é uma grandeza finita (e, diga-se de passagem,
não muito alta no Brasil, 12% do
PIB), essa estratégia não poderia ir
muito longe: para fazer o PIB crescer 1% anuais a mais nos próximos
quatro anos, a queda das importações teria que ser da ordem de 8%
ao ano, o que as reduziria à metade
em pouco mais de oito anos.
Obviamente essa recomendação
-ainda que agrade aos suspeitos
de sempre- não faz o menor sentido. Sempre haverá, é claro, os que
defendem uma maior proteção da
produção local, mas esta se dará às
expensas do menor crescimento
do consumo e do investimento, ao
contrário do ocorrido em 2006.
Passar da contabilidade para a economia requer um pouco mais de
esforço.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 43, economista-chefe para América Latina do Banco Real, é doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
alexandre.schwartsman@hotmail.com
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