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ENTREVISTA
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Banco Central vai ter de mudar de lado no câmbio
Autoridade monetária terá de deixar de comprar e passar a vender dólar para segurar inflação
O Banco Central deixou o dólar subir até R$ 1,90, ao
sabor das turbulências das últimas semanas, mas não
terá outra escolha além de intervir vendendo a moeda
para dar liquidez ao mercado de câmbio, segundo o
ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros. Para
ele, vai chegar o momento em que o dólar vai bater na
inflação. "Não tenha dúvida de que o BC vai vender.
Vai fazer atrasado, como sempre, mas vai." O dólar
saltou de R$ 1,73 para R$ 1,89 em quatro semanas.
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
Mendonção, como é conhecido, vê uma segunda fase da crise global, agravada neste início
de ano por uma "guinada populista" do governo Barack Obama, nos EUA, com objetivo de
enfrentar a oposição republicana que radicalizou e ameaça tomar conta do Congresso. Essa
guinada leva o governo americano a tomar medidas de apelo
popular, como controle maior
dos bancos, que podem emperrar a recuperação.
Na Europa, as dificuldades
enfrentadas pelos Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) para rolar suas dívidas,
associadas a um quadro de baixo crescimento, deverão "enterrar" as ambições de transformar o euro em uma moeda
forte, alternativa ao dólar. E o
Brasil vai bem, segue o "queridinho" do mercado, mas sofrerá com esse rearranjo global.
Leia a entrevista à Folha.
FOLHA - Estamos vivendo uma segunda fase da crise?
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS -
O quadro é ruim. Existe uma
incerteza muito grande em relação aos países do G7. Apareceram alguns problemas adicionais, principalmente de natureza política. Nos EUA, a partir da derrota democrata em
Massachusetts [na eleição de
um membro para o Senado], o
governo Obama começou a
adotar uma linha um pouco
mais populista. O problema é
que tem uma eleição no final do
ano para renovar o Congresso.
Pode acontecer de os republicanos dominarem o Congresso.
Isso vai ser complicado para
o governo Obama, porque a
economia americana ainda vai
precisar de alguma ajuda de natureza fiscal. A questão política
está muito acirrada nos EUA. A
ala mais radical tomou conta do
Partido Republicano e eles
querem simplesmente acabar
com o Obama.
É mais um mal-estar que veio
se agregar a essa insegurança
econômica. Já tinha a situação
difícil na Europa.
FOLHA - Por que só agora as dificuldades de países como Grécia parecem preocupar? Qual será a salvação para essas economias?
BARROS - Desde a formação da
União Europeia não se sabia
bem como seria o arranjo de regras únicas num universo de
países e sociedades tão diferentes. E esta crise obrigou os governos da Europa a incorrer em
deficit muito grande para segurar o sistema bancário. Acontece que os países mais periféricos, que não têm a mesma credibilidade que Alemanha e
França, começaram a ter problema de credibilidade na rolagem da dívida. Na Europa, embora a moeda seja unificada, os
títulos públicos são nacionais.
Aí, começou a crise no tal dos
Piigs [Portugal, Irlanda, Itália,
Grécia e Espanha]; e o mais frágil deles é a Grécia, que também tem problemas políticos.
Quando há algum bicho ferido, os chacais do mercado financeiro vão em cima mesmo...
Foi o que aconteceu nessas últimas três semanas. Foram em
cima da Grécia, e depois partiram para Irlanda e Portugal,
que são pequenos. Agora chegaram até a Espanha, que não é
tão pequena assim.
Então, veio à tona esse problema de como se ajustam as
economias nacionais com esse
arranjo que eles têm. Todo
mundo sabe que a Europa já
tem problema de recuperação
econômica e agora tem esse outro. A partir daí, é especulação
do mercado. A gente sabe pelos
relatórios que a liquidez caiu
muito e que eles estão nas mãos
do especulador.
As pessoas achavam que esse
problema do deficit dos europeus só viria daqui a dois ou
três anos. Apareceu, vai ficar aí
e vai precisar de uma solução. E
a solução é um sistema de ajuda
mútua. Outra coisa é que aquele pessoal que pensava entrar
na UE, como Polônia e Letônia,
pode tirar o cavalinho da chuva.
E o Reino Unido, que estava fora, agora que não entra mesmo.
FOLHA - Como esse quadro pode
ser revertido? Qual o principal fator?
BARROS - Saiu um dado de emprego bom nos EUA, que precisa ainda de confirmação. O setor de serviços já gerou emprego, o industrial, também. Falta
ainda o setor imobiliário. A taxa
de desemprego caiu -muita
gente deixa de procurar vaga
quando o quadro está ruim-,
mas não dá para dizer que mudou a tendência.
Nos EUA, é fundamental que
mude a tendência do mercado
de trabalho. Há 130 milhões de
pessoas trabalhando e entre 14
e 15 milhões de desempregados. O cara que está empregado
fica de olho no vizinho que perdeu o emprego. Ele fica tão inseguro que também não gasta.
Na hora que reverte o mercado
de trabalho, mesmo que o desemprego continue alto e a geração de emprego seja pequena, o comportamento de quem
está empregado muda. É uma
questão de confiança, que leva
tempo. A economia de mercado
precisa de tempo para corrigir
tendências. Até lá, vai ter um
período de especulação danada. Eu acho que isso se acalma.
FOLHA - Como fica o Brasil, que tinha se tornado o "queridinho" dos
mercados internacionais?
BARROS - Ah, o Brasil está muito bem. É o "darling" do investidor. Até porque todo mundo
sabe que a demanda interna de
consumo não tem nada a ver
com o que está acontecendo no
mundo. O problema é que, em
um ambiente de crise como este, o pessoal saca dinheiro dos
fundos emergentes. Todo mundo fica mais conservador. Mas
o Brasil está numa situação invejável. Para chegar aqui, precisa quebrar muita gente. E não
vai quebrar.
Mesmo na Europa, esse arranjo foi construído ao longo de
60 anos. Não vão deixar ruir
agora. Mas o euro está ferido de
morte. Quem achava que ele
poderia tomar o lugar do dólar
como valor de reserva ficou assustado. Outra coisa que deve
acontecer é um fortalecimento
do dólar em relação às demais
moedas, inclusive a nossa. A taxa de câmbio já não é mais R$
1,75, vai ser mais perto de R$ 2,
o que é bom para nós. Vai resolver o problema de muita gente.
Ainda estou muito otimista,
mas preocupado porque temos
que ver como se resolve esse
problema lá fora.
FOLHA - No mercado de câmbio,
falam que o BC está jogando gasolina da fogueira. O BC está dando a
atenção devida para o dólar?
BARROS - O que precisa agora é
o Banco Central mudar a mão.
Ele precisa mudar esse negócio
e parar essa brincadeira. Até algum tempo atrás, tinha sobra
de dólar no câmbio. Agora, vai
faltar. O BC é lento, fica com
aquela história de que não quer
interferir na moeda. Aquela
coisa de liberalzinho extremado. É a cara dele. Vai ter que
mudar. E, quando mudar, acalma o mercado de câmbio. Porque, quando faltar algum dinheiro, ele vende. Além do que,
o real se valorizando muito começa a mexer também com a
inflação.
FOLHA - Mas será que eles vão fazer isso? Não parece...
BARROS - Ah, vai. Como sempre
atrasado, mas vai ter que fazer.
Não tem outro jeito.
FOLHA - Do contrário, quebrará
muita gente?
BARROS - Onde vai quebrar
muita gente é na Europa. Grandes empresas europeias estão
como Sadia e outras companhias estavam aqui. Quando o
euro estava só se valorizando,
elas não estavam com medo.
Mas não é nada dramático. É
um período complicado.
FOLHA - A nossa eleição presidencial também pode trazer incertezas?
BARROS - Não estou muito
preocupado. A não ser que um
Ciro Gomes cresça ou apareça
alguma novidade. Enquanto a
eleição estiver entre Dilma e
Serra, não vejo grande preocupação no mercado.
FOLHA - O aperto de crédito na China pode respingar no Brasil?
BARROS - Isso tudo é besteira.
As empresas que estão na China sabem muito bem como as
coisas funcionam lá. Nesses
dois últimos meses, tomaram
dinheiro emprestado e botaram no banco. Sabiam que em
algum momento iria faltar. Eu
vi as estatísticas de depósitos
nos bancos, é um número brutal. Está todo mundo com dinheiro. Para mim, a China é a
parte mais estável dessa história toda. A China é hoje um fator de certa estabilidade. E, como nós somos muito vinculados à China, essa estabilidade
vem para cá também.
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