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'Bolha de ativos' nos EUA vira ponto quente
do enviado especial a Davos
Nem Brasil nem Ásia nem Rússia. "O ponto mais quente dos pontos quentes do mundo é Wall
Street", diz Moisés Naim, editor da
revista trimestral "Foreign Policy",
com base em Washington.
É a maior evidência de que bom
número de economistas e empresários começa a olhar com crescente inquietação para a chamada
"bolha de ativos" na Bolsa de Valores norte-americana, cujo prédio
fica exatamente na acanhada Wall
Street.
A suspeita é a de que as ações nela cotadas estão abusivamente valorizadas. Ou sofrem de "exuberância irracional", como disse já
faz dois anos até o presidente do
banco central dos EUA, Alan
Greenspan.
De lá para cá, as cotações subiram mais uns 3.000 pontos, tornando a irracionalidade muito
mais exuberante.
Até o normalmente cauteloso IIF
(Instituto de Finança Internacional), formado pelos principais
bancos mundiais, adverte, em relatório recente:
"Apesar da reação dos preços de
ações nos EUA, após cortes nos juros, permanece a possibilidade de
novo ajustamento nos preços".
Impacto
O "novo ajustamento" (eufemismo para queda no valor das ações)
teria "profundo impacto nos mercados emergentes, tanto por seu
impacto na confiança nos mercados financeiros em geral, como pelo impacto potencial no crescimento dos EUA", acrescenta o relatório.
O temor de uma queda se explica
pelo fato de que "as expectativas
sobre o lucro (das empresas cotadas na Bolsa) são completamente
irrealistas", como diz Edward Yardeni, economista-chefe do Deutsche Bank Securities.
Até Bill Gates, o criador da Microsoft, adverte: "Não recomendo
ações de empresas que fazem negócios via Internet para pessoas
que não gostem de riscos maciços,
especialmente nos atuais níveis".
É justamente o índice que inclui
as empresas que operam com a Internet que melhor resultado vêm
apresentando. Não obstante, uma
das mais notórias (a "Amazon.com", que vende livros pela
rede de computadores planetária)
tem cotação espantosamente superior a qualquer cálculo racional.
Lucro
A revista britânica "The Economist" lembra que, para valer o que
vale na Bolsa (US$ 20 bilhões), a
"Amazon.com" deveria ter um lucro anual superior a US$ 1 bilhão.
Mas suas vendas em 1998 (das
quais deve ser descontado o custo
operacional, como é óbvio) não
passaram de US$ 600 milhões.
A exuberância é tamanha que
permite uma ironia da parte de
Alan Blinder, professor de Economia da Universidade norte-americana de Princeton e ex-vice-presidente do banco central dos EUA:
"Se alguma coisa se torna mais
cara que todo o Estado da Califórnia, venda".
Ao contrário do que ocorre no
Brasil, em que a Bolsa é um investimento para poucos, nos EUA cerca
de 120 milhões de pessoas têm
ações.
O forte crescimento da economia
norte-americana nos anos mais recentes é em grande parte produto
do chamado "efeito riqueza", criado pela contínua valorização dos
papéis.
O consumidor pode não ter dinheiro no bolso, mas, como suas
ações sobem sem parar, sente-se
convidado a gastar. Conseqüência:
a poupança dos norte-americanos
caiu a zero, igualando nível só registrado antes em 1933, no auge da
Grande Depressão.
Consumo
Se o consumo for derrubado por
uma queda no valor das ações e o
conseqüente enfraquecimento do
"efeito riqueza", será inevitável
uma desaceleração da principal
economia do planeta.
Comenta Young Soogil, embaixador da Coréia junto à OCDE
(Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico, que
reúne os 29 países supostamente
mais industrializados):
"A economia dos EUA não pode
continuar indefinidamente com
elevados preços de ações e com um
grande déficit em suas contas externas, o que significa que terá de
haver um ajustamento. Resta saber
se o pouso será suave ou se provocará perturbações adicionais na
economia mundial".
(CLÓVIS ROSSI)
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