São Paulo, domingo, 7 de fevereiro de 1999

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'Bolha de ativos' nos EUA vira ponto quente

do enviado especial a Davos

Nem Brasil nem Ásia nem Rússia. "O ponto mais quente dos pontos quentes do mundo é Wall Street", diz Moisés Naim, editor da revista trimestral "Foreign Policy", com base em Washington.
É a maior evidência de que bom número de economistas e empresários começa a olhar com crescente inquietação para a chamada "bolha de ativos" na Bolsa de Valores norte-americana, cujo prédio fica exatamente na acanhada Wall Street.
A suspeita é a de que as ações nela cotadas estão abusivamente valorizadas. Ou sofrem de "exuberância irracional", como disse já faz dois anos até o presidente do banco central dos EUA, Alan Greenspan.
De lá para cá, as cotações subiram mais uns 3.000 pontos, tornando a irracionalidade muito mais exuberante.
Até o normalmente cauteloso IIF (Instituto de Finança Internacional), formado pelos principais bancos mundiais, adverte, em relatório recente:
"Apesar da reação dos preços de ações nos EUA, após cortes nos juros, permanece a possibilidade de novo ajustamento nos preços".

Impacto
O "novo ajustamento" (eufemismo para queda no valor das ações) teria "profundo impacto nos mercados emergentes, tanto por seu impacto na confiança nos mercados financeiros em geral, como pelo impacto potencial no crescimento dos EUA", acrescenta o relatório.
O temor de uma queda se explica pelo fato de que "as expectativas sobre o lucro (das empresas cotadas na Bolsa) são completamente irrealistas", como diz Edward Yardeni, economista-chefe do Deutsche Bank Securities.
Até Bill Gates, o criador da Microsoft, adverte: "Não recomendo ações de empresas que fazem negócios via Internet para pessoas que não gostem de riscos maciços, especialmente nos atuais níveis".
É justamente o índice que inclui as empresas que operam com a Internet que melhor resultado vêm apresentando. Não obstante, uma das mais notórias (a "Amazon.com", que vende livros pela rede de computadores planetária) tem cotação espantosamente superior a qualquer cálculo racional.

Lucro
A revista britânica "The Economist" lembra que, para valer o que vale na Bolsa (US$ 20 bilhões), a "Amazon.com" deveria ter um lucro anual superior a US$ 1 bilhão. Mas suas vendas em 1998 (das quais deve ser descontado o custo operacional, como é óbvio) não passaram de US$ 600 milhões.
A exuberância é tamanha que permite uma ironia da parte de Alan Blinder, professor de Economia da Universidade norte-americana de Princeton e ex-vice-presidente do banco central dos EUA:
"Se alguma coisa se torna mais cara que todo o Estado da Califórnia, venda".
Ao contrário do que ocorre no Brasil, em que a Bolsa é um investimento para poucos, nos EUA cerca de 120 milhões de pessoas têm ações.
O forte crescimento da economia norte-americana nos anos mais recentes é em grande parte produto do chamado "efeito riqueza", criado pela contínua valorização dos papéis.
O consumidor pode não ter dinheiro no bolso, mas, como suas ações sobem sem parar, sente-se convidado a gastar. Conseqüência: a poupança dos norte-americanos caiu a zero, igualando nível só registrado antes em 1933, no auge da Grande Depressão.

Consumo
Se o consumo for derrubado por uma queda no valor das ações e o conseqüente enfraquecimento do "efeito riqueza", será inevitável uma desaceleração da principal economia do planeta.
Comenta Young Soogil, embaixador da Coréia junto à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne os 29 países supostamente mais industrializados):
"A economia dos EUA não pode continuar indefinidamente com elevados preços de ações e com um grande déficit em suas contas externas, o que significa que terá de haver um ajustamento. Resta saber se o pouso será suave ou se provocará perturbações adicionais na economia mundial".
(CLÓVIS ROSSI)



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