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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
PT: ética e política
ALOIZIO MERCADANTE
O cineasta polonês Andrzej
Wajda tem um filme extraordinário, cuja lembrança é
oportuna neste momento em que
são discutidas as relações entre
ética e política. Intitula-se "Danton" e narra os acontecimentos
da primavera de 1794, quando a
Revolução Francesa já tinha submergido no terror.
Nele, há dois grandes e densos
personagens: Danton e Robespierre, os quais simbolizam formas antagônicas de combinar
atividade política com princípios
éticos. Danton é pragmático, conciliador e sensível. Abomina a
morte e o sofrimento trazidos pela
radicalização da Revolução. É revolucionário, mas moderado, e
quer adaptar os abstratos ideais
da Revolução às necessidades
imediatas e concretas do povo.
Robespierre é, ao contrário de
Danton, idealista, frio e intransigente. Vê a Revolução como um
processo de purificação, no qual
não há lugar para as fraquezas
humanas. O povo é que deve adequar-se aos rígidos princípios revolucionários.
Na cena principal do filme, Robespierre ameaça Danton por
opor-se à sua visão pura e rigidamente ordenada da Revolução.
Danton, em desespero, grita: "Te
esqueces de que somos feitos de
carne e osso". Mais tarde, Robespierre manda executar Danton.
Mata-se o humano na política.
Robespierre, ao não saber conciliar, de forma sadia, ética com política, vê-se condenado à ética da
intransigência e ao esquecimento
político: na sua amada Paris não
há praça ou rua com seu nome.
Ora, o PT sempre foi acusado
por seus detratores de ser um partido de jacobinos, que, como o Robespierre de Wajda, perseguia a
utópica pureza política, mas alcançava apenas a ética da intransigência. Agora, entretanto, ante
o rumoroso caso Waldomiro Diniz, esses mesmos detratores acusam o PT de ser um "partido sem
ética" que sucumbiu ao toma-lá-da-cá tão condenado por todos os
cidadãos. Afirmam, com a convicção típica dos néscios, que, para chegar ao poder, o PT teve de
abandonar os princípios que o diferenciavam no cenário da política nacional.
Estão não somente criticando o
PT mas também ofendendo o
país. É como se dissessem: "No
Brasil, não dá para fazer política
de mãos limpas". Enganam-se.
Nas últimas duas décadas, embora tenha progredido pouco do
ponto de vista socioeconômico, o
país evoluiu muito no que tange
aos mecanismos de transparência
e controle do aparelho de Estado.
Com efeito, o processo de consolidação do sistema democrático
no país resultou em uma sociedade civil vigilante e em uma burocracia mais transparente. A luta
pelo trato correto da coisa pública
vem coibindo antigas práticas de
corrupção. As denúncias investigadas em período recente, relativas, entre outros, aos casos "Operação Anaconda", "Gafanhotos
de Roraima" e fiscais do Rio de
Janeiro e do Amazonas são provas do sólido compromisso governamental com o combate à corrupção. Tal combate confunde-se
com a própria história do PT e foi
nele que a sociedade brasileira
vislumbrou aliado mais dedicado
à causa da transparência. Por isso, o PT empenhou-se e empenha-se tanto em cobrar e fiscalizar.
Não o fez, como o Robespierre de
Wajda, por purismo ético e intransigência política, mas por entender que a luta contra a corrupção era e é essencial para o aprimoramento da democracia brasileira e para a transformação do
Estado em verdadeiro ente público.
Porém o PT não se limitou a fiscalizar. O PT praticou, em dezenas de administrações municipais e estaduais bem-sucedidas,
aquilo que cobrava dos outros:
trato correto da coisa pública. O
PT demonstrou que é possível,
sim, fazer política com mãos limpas no Brasil. E foi esse patrimônio ético-político, construído ao
longo de mais de duas décadas,
tanto na oposição como na situação, que consagrou o PT. De fato,
ao contrário do que dizem os seus
detratores, o PT não chegou ao
poder central graças apenas a
marketing eleitoral eficiente. O
PT ganhou pelo exemplo. Exemplo que não implica monopólio
da ética, mas que revela destaque
numa luta que é de todos. Assim,
temos a certeza de que o PT e o
governo Lula saberão vencer o
desafio apresentado pelo caso
Waldomiro Diniz e manter o seu
lugar de mérito na simbologia política brasileira. Confiamos no
trabalho da Polícia Federal e do
Ministério Público e temos convicção de que o caso será investigado até as últimas conseqüências, com punição exemplar de todos os envolvidos, ao contrário do
ocorrido em episódios graves de
governos passados. Esse é um
compromisso público do PT e do
governo Lula, que tem de ser
acompanhado por uma agenda
positiva em torno das reformas
política e do Judiciário, as quais
introduzirão aprimoramentos
fundamentais para a democracia
brasileira, especialmente o financiamento público de campanhas.
Hoje, o PT tem muito do Danton de Wajda: sabe negociar,
compor e ceder. Sabemos que tais
qualidades são essenciais na política. Mas também sabemos que a
combinação sadia de ética com
política é vital para a democracia
brasileira. Nesse aspecto, embora
nunca tenha sido purista e intransigente como o Robespierre
do filme, o PT tem compromisso
histórico inarredável com a ética.
Por isso, o PT sairá fortalecido do
episódio. E aos nossos detratores
restará somente a constatação
óbvia de que o humano, com sua
inevitável falibilidade, também
habita o PT.
Aloizio Mercadante, 49, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e líder do
governo no Senado Federal.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
mercadante@mercadante.com.br
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