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Lula oferecerá casa popular a juro zero
Bruno Stuckert - 19.jan.04/Folha Imagem
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Ricardo Berzoini, que quer zerar juros habitacionais à baixa renda |
JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, quer zerar a taxa de
juros dos financiamentos habitacionais destinados à baixa renda
com recursos do FGTS (Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço).
Até o final de abril, ele deverá
apresentar ao Conselho Curador
do fundo proposta para criar um
subsídio proveniente do próprio
FGTS para cobrir os juros dos empréstimos. Hoje, a taxa média é de
8% ao ano mais TR.
Em seus planos à frente do Ministério do Trabalho, Berzoini
também pretende propor uma lei
para estabelecer uma política de
recuperação do salário mínimo.
A proposta é definir por lei qual
o valor ideal para o mínimo e fixar
reajustes anuais para atingi-lo.
"Esse será um plano do Estado
para o salário mínimo", afirmou,
em entrevista exclusiva à Folha na
sexta-feira.
A medida será discutida com as
centrais sindicais, os empresários
e o Congresso e, segundo Berzoini, já poderia ser aplicada a partir
do próximo ano. Leia, a seguir, os
principais trechos da entrevista.
Folha - O sr. pretende mudar os financiamentos habitacionais com
recursos do FGTS?
Ricardo Berzoini - Estou conversando com a Caixa Econômica
Federal para que possamos avaliar o que pode ser feito, obviamente sem gerar riscos de crédito
para a Caixa. O FGTS é o fundo
social e público brasileiro de características mais favoráveis para
o financiamento do desenvolvimento. Ele tem uma remuneração do seu passivo de TR mais 3%
ao ano. Portanto é um dinheiro
muito barato.
Por ser barato e ter uma finalidade constitucional para habitação, saneamento e desenvolvimento urbano, ele tem uma característica muito positiva: realizar uma política habitacional para
a maioria da população, que é de
baixa renda mesmo. Para essa
parcela da população, nós estamos estudando três modalidades.
A primeira é usar parcialmente
o superávit do FGTS para subsidiar o financiamento para a população que não tem capacidade
de pagar juros. A outra possibilidade importante é mobilizar o
FGTS com o FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador] para a autoconstrução com formação profissional simultânea. A terceira
questão é estimular o investimento em saneamento básico. Nos
três casos, quantos mais nós baixarmos os juros, mais nós vamos
ter utilização intensiva desses recursos.
Folha - Como isso pode ser feito?
Berzoini - Hoje o FGTS tem R$
33 bilhões aplicados em títulos de
valores mobiliários. Obviamente
ninguém pretende sair disso atabalhoadamente, mas uma programação para reduzir essa presença de um fundo que é social
num mercado de títulos de renda
fixa é um objetivo que queremos.
E, para isso, é preciso ter uma demanda na ponta. E sem redução
de juros não há demanda capaz
de suportar essa saída gradual do
mercado de renda fixa. Se fizermos uma conta rápida, nós temos
6,5 milhões de moradias a serem
construídas.
Nós temos a convicção de que
isso representa um investimento
de R$ 90 bilhões. Portanto, é muito mais que os R$ 33 bilhões. É óbvio que o FGTS não pode ser o
único responsável por financiar a
habitação. Nem ter ilusão de que
no curto prazo esse déficit habitacional vai ser eliminado. Mas há
um potencial muito grande. Há a
demanda de um lado, as pessoas
precisam de moradia. Há o FGTS
do outro, que tem recursos para
atender a uma parte deles. E no
meio há uma dificuldade: a renda
das pessoas não é capaz de suportar uma taxa de juros, mesmo baixa. Então a lógica é fazer um subsídio dos juros, não do imóvel,
por meio de recursos orçamentários ou de sobras do FGTS.
Folha - A idéia é implementar isso
quando?
Berzoini - A minha meta é até o
final de abril ter tudo concluído
para propor ao Conselho Curador
do FGTS e, caso necessite de mudança legislativa, também propor
ao Congresso. A Caixa também
tem um papel importante. Por
mais que tenhamos o interesse de
preservar a boa saúde financeira
da Caixa, ela, como banco público, não precisa ter uma lucratividade exagerada. Ela pode ser rentável, mas ao mesmo tempo exercer seu papel social de forma mais
agressiva. Uma das formas de reduzir o risco de crédito da Caixa
seria constituir dentro do FGTS,
com sobras, um fundo de aval, em
que haveria uma garantia dessas
operações de crédito.
Folha - A idéia então não é apenas reduzir os juros, mas zerá-los?
Berzoini - Para quem tem renda
muito baixa, sim. Ainda estamos
analisando com a Caixa tecnicamente para ver qual seria essa
renda. A idéia é que esse trabalhador pague apenas o principal do
empréstimo. Não necessariamente precisaremos zerar os juros para todos. Para alguns, basta fazer
um rebate dos juros. Por exemplo, um financiamento de R$ 15
mil em 25 anos, sem juros, daria
algo como R$ 50 por mês.
O cidadão de baixíssima renda,
mesmo que esteja em um programa de distribuição de renda, ainda assim pode ter a capacidade de
participar do financiamento desde que não se cobrem juros dele.
Mas como não cobrar juros se o
FGTS paga juros? Aí entra o subsídio social.
Folha - Mas hoje já existe o PSH
[Programa de Subsídio à Habitação
de Interesse Social], que usa recurso orçamentário para moradia de
baixa renda.
Berzoini - O PSH tem natureza
puramente orçamentária. É preciso juntar o PSH com mecanismos
financeiros intrafundo que possam dar esse tipo de subsídio. Isso
gerará emprego formal, que gera
mais recursos para o FGTS.
Folha - E o aumento do salário mínimo para este ano?
Berzoini - Estamos estudando
duas vertentes. Além do reajuste
deste ano, que é algo importante,
estamos analisando como conciliar o dispositivo constitucional
do salário mínimo com as diversidades regionais, sem falar em regionalização. A idéia é estudar o
custo de vida em cada região e a
diferença entre a família unipessoal, sem dependentes, e aquele
trabalhador com família maior.
Para que isso? Para chegarmos à
conclusão sobre qual é o salário
mínimo efetivo que a sociedade
brasileira reconhece para o cumprimento pleno da Constituição.
A intenção é pensar num planejamento para atingir num prazo determinado, a ser discutido com o
Congresso e com as centrais sindicais, um salário mínimo decente. O Brasil quer crescer e distribuir melhor sua renda. Isso não
dá para fazer com milagre. É preciso planejamento e uma estratégia econômica e orçamentária.
Folha - Seria algo como criar uma
fórmula para o mínimo ideal?
Berzoini - Sim, e ao mesmo tempo fazer uma política nacional de
recuperação do salário mínimo.
Não é focar a cada reajuste uma
lógica de disputa política em torno do reajuste, o que é natural da
política. Mas buscar compor com
o Congresso, as centrais sindicais
e os empresários e fazer um acordo nacional em torno de um projeto de salário mínimo.
Folha - Quando seria possível
aplicar essa política?
Berzoini - Esse trabalho eu quero
começar neste ano e desenvolver
em um prazo razoável. Eu acho
que poderia ser colocado em prática já no ano que vem. Isso depende também do tempo político.
Folha - Na prática, o que esse plano significa para o trabalhador?
Berzoini - Significa desenhar
aquilo que se discute há 20 anos
no Brasil. Qual é o salário mínimo
digno, decente? É óbvio que qualquer pessoa sabe que, para fixar
um mínimo decente, há impacto
na Previdência. Mas ao mesmo
tempo não dá para não enfrentar
o problema e dizer: "Não pode,
não pode e então o reajuste deste
ano vai ser esse e acabou". A postura responsável é dizer: "As projeções econômicas e de mercado
de trabalho nos permitem projetar em "X" anos chegar a um patamar de salário mínimo decente".
Folha - Haveria uma lei com um
programa de recuperação do mínimo?
Berzoini - Exatamente isso. Independentemente do governo,
esse será um plano do Estado para
o salário mínimo.
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