São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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Lula oferecerá casa popular a juro zero

Bruno Stuckert - 19.jan.04/Folha Imagem
Ricardo Berzoini, que quer zerar juros habitacionais à baixa renda


JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, quer zerar a taxa de juros dos financiamentos habitacionais destinados à baixa renda com recursos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Até o final de abril, ele deverá apresentar ao Conselho Curador do fundo proposta para criar um subsídio proveniente do próprio FGTS para cobrir os juros dos empréstimos. Hoje, a taxa média é de 8% ao ano mais TR.
Em seus planos à frente do Ministério do Trabalho, Berzoini também pretende propor uma lei para estabelecer uma política de recuperação do salário mínimo.
A proposta é definir por lei qual o valor ideal para o mínimo e fixar reajustes anuais para atingi-lo. "Esse será um plano do Estado para o salário mínimo", afirmou, em entrevista exclusiva à Folha na sexta-feira.
A medida será discutida com as centrais sindicais, os empresários e o Congresso e, segundo Berzoini, já poderia ser aplicada a partir do próximo ano. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
 

Folha - O sr. pretende mudar os financiamentos habitacionais com recursos do FGTS?
Ricardo Berzoini -
Estou conversando com a Caixa Econômica Federal para que possamos avaliar o que pode ser feito, obviamente sem gerar riscos de crédito para a Caixa. O FGTS é o fundo social e público brasileiro de características mais favoráveis para o financiamento do desenvolvimento. Ele tem uma remuneração do seu passivo de TR mais 3% ao ano. Portanto é um dinheiro muito barato.
Por ser barato e ter uma finalidade constitucional para habitação, saneamento e desenvolvimento urbano, ele tem uma característica muito positiva: realizar uma política habitacional para a maioria da população, que é de baixa renda mesmo. Para essa parcela da população, nós estamos estudando três modalidades.
A primeira é usar parcialmente o superávit do FGTS para subsidiar o financiamento para a população que não tem capacidade de pagar juros. A outra possibilidade importante é mobilizar o FGTS com o FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador] para a autoconstrução com formação profissional simultânea. A terceira questão é estimular o investimento em saneamento básico. Nos três casos, quantos mais nós baixarmos os juros, mais nós vamos ter utilização intensiva desses recursos.

Folha - Como isso pode ser feito?
Berzoini -
Hoje o FGTS tem R$ 33 bilhões aplicados em títulos de valores mobiliários. Obviamente ninguém pretende sair disso atabalhoadamente, mas uma programação para reduzir essa presença de um fundo que é social num mercado de títulos de renda fixa é um objetivo que queremos. E, para isso, é preciso ter uma demanda na ponta. E sem redução de juros não há demanda capaz de suportar essa saída gradual do mercado de renda fixa. Se fizermos uma conta rápida, nós temos 6,5 milhões de moradias a serem construídas.
Nós temos a convicção de que isso representa um investimento de R$ 90 bilhões. Portanto, é muito mais que os R$ 33 bilhões. É óbvio que o FGTS não pode ser o único responsável por financiar a habitação. Nem ter ilusão de que no curto prazo esse déficit habitacional vai ser eliminado. Mas há um potencial muito grande. Há a demanda de um lado, as pessoas precisam de moradia. Há o FGTS do outro, que tem recursos para atender a uma parte deles. E no meio há uma dificuldade: a renda das pessoas não é capaz de suportar uma taxa de juros, mesmo baixa. Então a lógica é fazer um subsídio dos juros, não do imóvel, por meio de recursos orçamentários ou de sobras do FGTS.

Folha - A idéia é implementar isso quando?
Berzoini -
A minha meta é até o final de abril ter tudo concluído para propor ao Conselho Curador do FGTS e, caso necessite de mudança legislativa, também propor ao Congresso. A Caixa também tem um papel importante. Por mais que tenhamos o interesse de preservar a boa saúde financeira da Caixa, ela, como banco público, não precisa ter uma lucratividade exagerada. Ela pode ser rentável, mas ao mesmo tempo exercer seu papel social de forma mais agressiva. Uma das formas de reduzir o risco de crédito da Caixa seria constituir dentro do FGTS, com sobras, um fundo de aval, em que haveria uma garantia dessas operações de crédito.

Folha - A idéia então não é apenas reduzir os juros, mas zerá-los?
Berzoini -
Para quem tem renda muito baixa, sim. Ainda estamos analisando com a Caixa tecnicamente para ver qual seria essa renda. A idéia é que esse trabalhador pague apenas o principal do empréstimo. Não necessariamente precisaremos zerar os juros para todos. Para alguns, basta fazer um rebate dos juros. Por exemplo, um financiamento de R$ 15 mil em 25 anos, sem juros, daria algo como R$ 50 por mês.
O cidadão de baixíssima renda, mesmo que esteja em um programa de distribuição de renda, ainda assim pode ter a capacidade de participar do financiamento desde que não se cobrem juros dele. Mas como não cobrar juros se o FGTS paga juros? Aí entra o subsídio social.

Folha - Mas hoje já existe o PSH [Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social], que usa recurso orçamentário para moradia de baixa renda.
Berzoini -
O PSH tem natureza puramente orçamentária. É preciso juntar o PSH com mecanismos financeiros intrafundo que possam dar esse tipo de subsídio. Isso gerará emprego formal, que gera mais recursos para o FGTS.

Folha - E o aumento do salário mínimo para este ano?
Berzoini -
Estamos estudando duas vertentes. Além do reajuste deste ano, que é algo importante, estamos analisando como conciliar o dispositivo constitucional do salário mínimo com as diversidades regionais, sem falar em regionalização. A idéia é estudar o custo de vida em cada região e a diferença entre a família unipessoal, sem dependentes, e aquele trabalhador com família maior. Para que isso? Para chegarmos à conclusão sobre qual é o salário mínimo efetivo que a sociedade brasileira reconhece para o cumprimento pleno da Constituição. A intenção é pensar num planejamento para atingir num prazo determinado, a ser discutido com o Congresso e com as centrais sindicais, um salário mínimo decente. O Brasil quer crescer e distribuir melhor sua renda. Isso não dá para fazer com milagre. É preciso planejamento e uma estratégia econômica e orçamentária.

Folha - Seria algo como criar uma fórmula para o mínimo ideal?
Berzoini -
Sim, e ao mesmo tempo fazer uma política nacional de recuperação do salário mínimo. Não é focar a cada reajuste uma lógica de disputa política em torno do reajuste, o que é natural da política. Mas buscar compor com o Congresso, as centrais sindicais e os empresários e fazer um acordo nacional em torno de um projeto de salário mínimo.

Folha - Quando seria possível aplicar essa política?
Berzoini -
Esse trabalho eu quero começar neste ano e desenvolver em um prazo razoável. Eu acho que poderia ser colocado em prática já no ano que vem. Isso depende também do tempo político.

Folha - Na prática, o que esse plano significa para o trabalhador?
Berzoini -
Significa desenhar aquilo que se discute há 20 anos no Brasil. Qual é o salário mínimo digno, decente? É óbvio que qualquer pessoa sabe que, para fixar um mínimo decente, há impacto na Previdência. Mas ao mesmo tempo não dá para não enfrentar o problema e dizer: "Não pode, não pode e então o reajuste deste ano vai ser esse e acabou". A postura responsável é dizer: "As projeções econômicas e de mercado de trabalho nos permitem projetar em "X" anos chegar a um patamar de salário mínimo decente".

Folha - Haveria uma lei com um programa de recuperação do mínimo?
Berzoini -
Exatamente isso. Independentemente do governo, esse será um plano do Estado para o salário mínimo.



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