São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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ARTIGO

Fiasco da eleição no FMI precisa acabar

MOISÉS NAÍM
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

A notícia de que Horst Köhler, diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), deverá ser o próximo presidente da Alemanha marca o fim de um processo nebuloso que, segundo fontes privilegiadas, teria levado à sua reindicação para mais um mandato de cinco anos.
O mandato deveria expirar em maio de 2005, e a notícia de sua partida provocou intensa especulação sobre o sucessor. Essa deveria ser a oportunidade para pôr fim ao modo fechado e obscuro como se administra a sucessão no FMI e no Bird (Banco Mundial).
A indicação de Köhler em 2000 seguiu-se a uma feroz batalha entre países-membros -principalmente sobre a tradição de dar a chefia do FMI a um europeu e a do Bird a um americano. Em uma organização que supostamente defende a transparência e a boa governança e combate o favoritismo, é particularmente irônico que o processo de indicação de um executivo-chefe inclua práticas inaceitáveis para a maioria dos grandes conselhos corporativos e instituições.
Antes da notícia do novo cargo de Köhler, a quase certeza entre altos oficiais do FMI de que ele seria renomeado automaticamente mostrava que nada havia mudado no processo obsoleto.
A própria entrada de Köhler no FMI, em 2000, representou a vitória da tradição sobre a reforma. Os EUA tinham vetado o primeiro candidato proposto pelo governo alemão, Caio Koch-Weser, o vice-ministro da Economia. Pela primeira vez foram propostos dois candidatos não-europeus, um japonês e um americano. Surpreendentemente, o candidato americano -Stanley Fischer, o respeitado vice-diretor do FMI- havia sido indicado por 20 países africanos, enquanto o governo Clinton se recusava a apoiá-lo. Apenas a intervenção do chanceler alemão, Gerhard Schröder, garantiu o sucesso de um segundo candidato alemão, Köhler.
As discussões e manobras que levaram à indicação de Köhler chamaram a atenção da mídia, que pelo menos despertou a consciência do público para o que pessoas informadas sabiam havia muito tempo: os procedimentos inaceitáveis por trás da escolha da liderança dessas instituições financeiras internacionais.
Com a nomeação de Köhler, a política manipulou o processo e acordos obscuros zombaram da propalada transparência que o FMI prega aos outros. A única boa notícia, ao que parecia, era que o processo foi um tal embaraço público que a mudança parecia virtualmente inevitável. De fato, os conselhos do FMI e do Bird imediatamente criaram um grupo de trabalho para recomendar reformas internas.
Acabaram emitindo um relatório contendo princípios orientadores bastante óbvios, mas ainda assim úteis: as qualificações dos candidatos deveriam ser claramente especificadas, os diretores deveriam ser envolvidos em tempo hábil, dever-se-ia dar atenção à transparência, e um grupo assessor externo de deveria colaborar com os membros do conselho para uma seleção de candidatos.
Enterrado na oratória havia um princípio óbvio, mas revolucionário: "Pluralidade de candidatos, representando a diversidade dos membros de todas as regiões seria do melhor interesse do Fundo; o objetivo é atrair os melhores candidatos, independentemente de sua nacionalidade".
Talvez seja por isso que, em outra ilustração de suas falhas de governança, os conselhos do FMI e do Bird endossaram formalmente o relatório, mas se recusaram a adotá-lo. Portanto, apesar do fiasco de 2000, os encarregados das instituições de Bretton Woods continuaram avessos a adotar reformas que são tão óbvias quanto necessárias.
O argumento usado tipicamente para defender o processo de sucessão secreta e excludente é que, apesar de defeituoso, ainda é melhor que a hiperdemocracia que paralisou tantos órgãos da ONU.
Enquanto essa preocupação é válida, não é verdade que eliminar algumas práticas que contradizem os padrões de governança vigentes prejudicaria o funcionamento do FMI e do Bird. Sua eficácia deriva não apenas dos recursos financeiros ou da qualidade de seus conselhos, mas também (e mais importante) de sua legitimidade.
Essa legitimidade é gravemente solapada por um processo que discrimina a maioria das nacionalidades na seleção de líderes de organizações cujo objetivo é servir ao mundo inteiro. Os principais acionistas do Bird e do FMI evidentemente continuarão tendo os votos sobre a liderança dessas instituições. Mas eles não precisam se aferrar a uma tradição que proscreve candidatos qualificados devido a sua nacionalidade.
O próximo diretor-gerente do FMI deve ser selecionado por meio de um processo que dê a ele e à instituição a legitimidade que apenas um processo competitivo e transparente pode conferir. Suas qualificações, e não passaporte, deveriam ser o principal critério.


Moisés Naím é editor da revista "Foreign Policy". Foi ministro da Indústria e do Comércio da Venezuela.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves


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