São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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TRANSGÊNICOS

Ausência de uma legislação de biossegurança, ainda em discussão no Congresso, impede etapas de testes em campo

Embrapa congela projetos por falta de lei

DIMITRI DO VALLE
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FOZ DO IGUAÇU

A falta de uma legislação na área de biotecnologia, ainda em discussão no Congresso, paralisou experiências de ponta da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). O impasse é por causa da lei ambiental, que impede etapas de testes com transgênicos.
A mais afetada pela proibição é a experiência de campo, com o plantio de lavouras, fase em que os cientistas podem avaliar na prática os estudos de laboratório.
Os reflexos mais imediatos dessa demora são o aumento das pragas, um gasto maior com defensivos e o encarecimento dos alimentos para o consumidor.
Levantamento feito pela Agência Folha durante três conferências (duas internacionais e uma brasileira) sobre soja, realizadas na semana passada em Foz do Iguaçu (639 km de Curitiba), apontou que sete projetos de ponta estão parados. Todos envolvem a transgenia de sementes criadas para resistir a pragas que atingem lavouras de café, banana, algodão, batata, feijão, mamão e soja.
As tentativas de criação de um feijão resistente ao mosaico dourado, por exemplo, se arrastam por 13 anos. A experiência poderia estar concluída em sete anos, caso o país tivesse uma lei de biossegurança.
Grãos de café resistentes ao assédio de insetos também não estão nas lavouras porque os testes de campo estão proibidos. As experiências em laboratório já duram dez anos.
O pesquisador Elíbio Rech, da Embrapa, prevê que na eventual aprovação pelo Congresso da Lei de Biossegurança, prevista pelo ministro Roberto Rodrigues (Agricultura) para abril, essas experiências poderão ser retomadas em menos de um mês. E, ainda neste ano, o conhecimento acumulado pelas experiências poderia ser repassado aos produtores.
"Os projetos poderiam ser concluídos mais rápido, mas acabaram ficando parados por alguns anos por falta de autorização para um projeto de campo", afirmou Rech. "Nós esperamos que agora as coisas entrem no ritmo adequado [com a aprovação da lei]."
Do ponto de vista da pesquisa, o presidente da Embrapa, Cleiton Campanhola, afirmou que a nova legislação vai ajudar a desencalhar todos os projetos. "Não podemos nos furtar da pesquisa, seja com transgênicos ou não. É através das pesquisas, sustentadas por uma Lei de Biossegurança, que iremos medir os riscos que pragas ou manipulação com transgênicos podem oferecer", disse.
Nos Estados Unidos, onde o plantio, comércio e a pesquisa com transgênicos são regulamentados há oito anos, os produtores de mamão do Havaí viram suas lavouras aniquiladas pelo vírus da mancha anelar, que provoca um fungo que se forma sobre a casca da fruta e deprecia sua qualidade no mercado. A praga foi controlada com a criação de um mamão transgênico resistente à mancha.
No Brasil, a mancha anelar continua a causar estragos, apesar de a Embrapa também ter um projeto de erradicação da praga.
A exemplo dos outros casos brasileiros já relatados, experimentos com mamão transgênico aguardam regulamentação da Lei de Biossegurança para que os pesquisadores possam abrir a primeira lavoura e produzir as matrizes da nova fruta.
A semente de uma soja transgênica brasileira, tolerante ao herbicida Imazapyr, se encontra na mesma situação. Já são mais de seis anos de pesquisa sem ir a campo para os testes finais.
Suas matrizes estão sendo criadas para servir como alternativa ao glifosato, herbicida da soja RR (Roundup Ready), praticamente a única soja transgênica hoje no mercado mundial e de propriedade da multinacional Monsanto.

Pesquisa e agronegócio
"A pesquisa é necessária para garantir a viabilidade do agronegócio brasileiro", diz João Veloso Silva, chefe-adjunto de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Soja, de Londrina, no Paraná.
Para o consultor em agronomia Francisco Graziano, ex-presidente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), a legislação de biossegurança tem um erro grave: o de abrir a possibilidade de experiências da Embrapa passarem pelo crivo de outros órgãos governamentais, como o Ibama.
"Se eu fosse pesquisador da Embrapa, eu me recusaria a submeter o meu experimento ao Ibama. Ora, os efeitos ao ambiente já fazem parte do processo de avaliação da pesquisa, não é preciso repetir isso com outros órgãos."
Graziano acredita que o Senado, onde o projeto está, irá derrubar essa exigência.
"Eu quero a soja transgênica da Embrapa e não a RR da Monsanto. A pesquisa precisa ser incentivada", disse.
O Ibama e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) querem manter o status de únicos a conceder parecer sobre o uso e a comercialização de produtos transgênicos. O objetivo é garantir que a segurança ambiental seja preservada com os transgênicos.


O repórter Dimitri do Valle ficou hospedado em Foz do Iguaçu a convite da Embrapa


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